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Nota Técnica 22 (CLISP)/2024

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29/07/2024

DE JF 3. REGIÃO - ADM, n. 142, p. 11-13. Data de disponibilização: 31/07/2024. Data de publicação: 1º dia útil seguinte ao da disponibilização no Diário eletrônico (Lei 11419/2006)

Implementação de mecanismos específicos para o tratamento de litigância

predatória na Seção Judiciária de São Paulo

NOTA TÉCNICA NI CLISP 22/2024 Assunto: Litigância Predatória Relatores: Gabriel Hillen Albernaz Andrade Revisores: Fernando Caldas Bivar Neto e Letícia Mendes Gonçalves Hillen A litigância predatória é tema de acesos debates atualmente. Enquanto na doutrina se registram tentativas de... Ver mais
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NOTA TÉCNICA NI CLISP 22/2024

 

Assunto: Litigância Predatória

 

Relatores: Gabriel Hillen Albernaz Andrade

Revisores: Fernando Caldas Bivar Neto e Letícia Mendes Gonçalves Hillen

 

A litigância predatória é tema de acesos debates atualmente. Enquanto na doutrina se registram tentativas de conceituar o instituto, densificando a ideia de abuso do direito de ação que lhe subjaz, a jurisprudência volta sua atenção a buscar soluções aos casos concretos em que essa prática seja constatada. Atualmente, a questão é objeto de apreciação pelo Superior Tribunal de Justiça no Tema n. 1198 dos recursos especiais repetitivos, cuja afetação ensejou manifestação do Centro Nacional de Inteligência da Justiça Federal por meio da Nota Técnica n. 44/2024.

Em termos conceituais, há aparente consenso no sentido de que a litigância predatória caracteriza uma tipologia específica de abuso de direito de ação, que ocorrerá toda vez que o ato de demandar for utilizado de forma sistemática, dissociado de sua função constitucional de garantia de direitos dos cidadãos.

Isto implica dizer que a litigância predatória é composta de dois elementos essenciais: a) uso do direito de ação de maneira estranha à sua função de garantia. Isto ocorre especialmente em situações nas quais a parte autora não possui conhecimento ou convicção: a.1) da efetiva existência de violação a direito próprio, ou a.2) da resistência à pretensão de efetivação desse direito, que justifiquem o acionamento do aparato Judiciário; e b) quadro de atuação concertada ou sistemática, revelado através da multiplicidade de ações idênticas ou semelhantes, nas quais se identifique uma mesma manifestação desse abuso de direito de ação.

O primeiro elemento revela a dimensão axiológica da litigância predatória, que, como manifestação de abuso de direito, deturpa a finalidade da garantia constitucional de acesso ao Poder Judiciário ao transmutar o ato de demandar em instrumento de prospecção de possíveis violações de direitos, de exploração de deficiências jurídicas de representação do Poder Público, ou de outras finalidades incompatíveis com a função ética da garantia do direito de ação.

O segundo elemento revela o aspecto funcional da litigância predatória. A exigência de multiplicidade de ações propostas em semelhantes condições de abuso se justifica pela capacidade que manifestações de litigância predatória têm de embaraçar os serviços judiciários, ocupando juízos e juízes com processos que, em última análise, não possuem lastro em causa de pedir idônea. É justamente esse elemento numérico que diferencia a litigância predatória, enquanto fenômeno que exige tratamento institucional unificado, de situações de abuso individual do direito de ação, que podem ser perfeitamente tratadas sem grandes problemas em âmbito local[1].

No que se refere às atitudes a serem tomadas frente a quadro de litigância predatória, as soluções encampadas pela jurisprudência giram em torno da adoção de medidas pelos juízes oficiantes com escopo de densificar o direito de ação exercido pela parte. Tais medidas podem consistir em determinação de esclarecimentos a respeito dos fatos que fundamentam o processo, da regularidade da representação processual ou mesmo da voluntariedade da parte autora em demandar. Em último caso, é possível a extinção do processo por falta de interesse de agir.

Note-se que os dois aspectos expostos até aqui – a conceituação da litigância predatória e as medidas construídas para remediar suas manifestações – são partes integrantes de uma cadeia estruturada para o enfrentamento institucional da litigância predatória que possui um terceiro elo, que liga os esforços de conceituação e resolução aqui descritos: a identificação concreta do conjunto de ações capazes de caracterizar quadro de litigância predatória. É justamente sobre esse tema que trata a presente Nota Técnica.

Seja pela própria abertura do conceito de litigância predatória, conceito jurídico indeterminado cuja delimitação não é simples, especialmente quando se consideram as preocupações expressadas por órgãos de classe da advocacia com o possível tolhimento ao exercício legítimo do direito de ação, seja pela dificuldade que o juiz possui em ter o olhar holístico necessário à identificação do fenômeno, que depende do conhecimento da existência de ações que muitas vezes tramitam em outras unidades jurisdicionais, a constatação de casos concreto de litigância predatória não é simples.

Diante desse cenário, o Centro Local de Inteligência da Justiça Federal na Seção Judiciária de São Paulo (CLISP) encaminhou às respectivas unidades judiciárias o OFÍCIO - Nº 1 -DFORSP/CLISP visando a obter informações preliminares acerca da existência de possíveis situações caracterizadoras de litigância predatória, cujos dados e respostas foram compilados nos Processos SEI ns. 0003132-59.2024.4.03.8001 e 0003386-32.2024.4.03.8001. Embora, aproximadamente, 11 (onze) respostas tenham indicado possíveis casos pertinentes, a maior parte dos respondentes apontou a ausência de situações congêneres, demonstrando que, por vezes, a identificação de tal fenômeno demanda análise para além dos limites de cada unidade.

Para essa tarefa, os Centros Locais de Inteligência se apresentam como órgãos capazes de prestar auxílio aos magistrados e magistradas que identifiquem processos com indícios de que possam compor um quadro de litigância predatória.

A Resolução n. 499/2018 do Conselho da Justiça Federal, que criou os Centros Locais de Inteligência da Justiça Federal, afirma competir a estes órgãos a tarefa de "identificar e monitorar

demandas judiciais repetitivas ou de massa, bem como os temas que apresentam maior número de controvérsias, por meio de estudos e levantamentos técnicos, inclusive dados estatísticos" (art. 11, II). A multiplicidade de processos propostos com abuso do direito de ação, característica do fenômeno de que se trata, pode ser diretamente reconduzida à expressão "demandas judiciais repetitivas ou de massa", sendo possível concluir sem grandes dificuldades estar no escopo de atuação dos Centros Locais de Inteligência a atuação para identificação e monitoramento de casos de litigância predatória.

Do mesmo modo, a Resolução n. 349/2020 do Conselho Nacional de Justiça, a qual instituiu a Rede de Centros de Inteligência do Poder Judiciário, estabelece como missão precípua dos Centros de Inteligência prevenir o ajuizamento de demandas repetitivas ou de massa a partir da identificação das causas geradoras de litígios, com possível autocomposição ou encaminhamento de solução na seara administrativa, viabilizando, igualmente, a atuação dos Centros Locais no sentido de identificar possíveis casos de litigância predatória.

Não obstante essa atribuição deflua de atos normativos emanados do Conselho da Justiça Federal e do Conselho Nacional de Justiça, ainda não há procedimento institucionalizado para o adequado tratamento de demandas dessa natureza no âmbito do Centro Local de Inteligência da Justiça Federal na Seção Judiciária de São Paulo (CLISP).

Visando a suprir essa lacuna, propõe-se que tal competência seja exercida através de procedimento de consulta, disponível a magistrados e órgãos do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, direcionado ao Centro Local de Inteligência da Seção Judiciária de São Paulo. Provocado, caberá ao CLISP elaborar parecer não vinculante sobre a existência concreta de quadro de litigância predatória.

Para tanto, serão designados um relator e um revisor do caso, que poderão fazer uso de serviços auxiliares da Diretoria do Foro na pesquisa de outros processos semelhantes, no esforço de obter uma visão mais ampla das circunstâncias subjacentes à consulta. Além disso, havendo necessidade, poderão ser consultados entidades e órgãos públicos para manifestação a respeito do tema, de modo a subsidiar as conclusões do CLISP.

Registre-se que a solicitação de manifestações de órgãos externos à Justiça Federal permite, a par da a obtenção de informações adicionais acerca da existência de litigância predatória, a identificação de situações nas quais a própria atuação indevida de órgãos ou entidades públicas é fator a ensejar a litigância de massa. Nesses casos, o procedimento propiciará ao CLISP o exercício de sua função de implementar diálogo entre os litigantes para definir e elaborar propostas coordenadas para a solução do conflito (art. 11, IV e VI, da Resolução n. 499/2018 do Conselho da Justiça Federal).

Cabe estressar que não se trata, em nenhuma capacidade, de exercício de atividade judicante pelo CLISP, ou de intromissão na atividade jurisdicional de magistrados. O procedimento consultivo será voluntariamente iniciado por magistrados, órgãos da Seção Judiciária de São Paulo ou do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, e se esgotará na emissão de parecer opinativo sobre o caso, que não conterá sugestões de conduta, mas apenas conclusão sobre existir ou não quadro de litigância predatória. Ao respectivo parecer, será dada ampla publicidade aos magistrados da Seção Judiciária, com especial enfoque àqueles em cujos juízos tramitem processos que se subsomem à hipótese de litigância predatória analisada.

Com esse mecanismo, objetiva-se: i) institucionalizar a atuação do CLISP no contexto da litigância predatória; ii) viabilizar a identificação de casos de litigância predatória na Seção Judiciária de São Paulo; iii) conferir aos magistrados canal para concentração de informações sobre eventual exercício abusivo do direito de ação; e iv) possibilitar o diálogo entre o CLISP e demais entidades e órgãos públicos em casos nos quais, embora ausente indicativo de litigância predatória, evidenciada a necessidade de modificação da atuação do poder público ensejadora de litígios de massa.

Encaminha-se, em anexo, minuta de Portaria tratando do procedimento de consulta, a ser submetida à Diretoria do Foro para implementação de mecanismos específicos para o tratamento de litigância predatória na Seção Judiciária de São Paulo

 

Anexo I

Art. 1º. Essa Portaria institui o Procedimento Consultivo de Análise de Litigância Predatória (PALP), procedimento de consulta direcionado ao Centro Local de Inteligência da Seção Judiciária de São Paulo – CLISP sobre a existência de situações de litigância predatória

Parágrafo Único. O procedimento de consulta é voluntário, possui natureza administrativa, não gerando efeitos sobre processos em tramitação.

Art. 2º. O procedimento de consulta poderá ser iniciado por qualquer magistrado, pela Direção do Foro da Seção Judiciária de São Paulo ou por órgão vinculado ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região.

§1º. A consulta deverá ser formulada no Sistema Eletrônico de Informações – SEI, e encaminhado ao CLISP.

§2º. O pedido deverá ser fundamentado, expondo o requerente as razões pelas quais entende haver possível quadro de litigância predatória, e instruído com documentos ou menção a documentos existentes em processos em tramitação no PJe que demonstrem as afirmações feitas.

Art. 3º. O Coordenador-Adjunto do CLISP realizará juízo de admissibilidade do procedimento de consulta proposto.

§1º. O juízo de admissibilidade consistirá em verificação sumária de descrição de quadro de litigância predatória no pedido, e será feito in status assertionis.

§2º. Concluindo pela inexistência de narrativa passível de subsunção ao conceito de litigância predatória, ordenará o Coordenador-Adjunto o arquivamento do pedido, notificando-se o requerente.

§3º. O juízo de admissibilidade descrito neste artigo não será exercido na hipótese de pedido aduzido pela Direção do Foro da Seção Judiciária de São Paulo ou por órgão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, sendo adotadas imediatamente as providências dos artigos seguintes.

Art. 4º. Admitido o pedido, serão designados pelo Coordenador ou Coordenadora do CLISP um relator e um revisor, escolhidos entre os juízes e as juízas federais membros do CLISP, para emitir parecer fundamentado sobre o caso, no prazo de 45 (quarenta e cinco) dias, prorrogáveis de forma fundamentada.

§1º. Excepcionalmente, poderão ser indicados como relatores ou revisores magistrados ou magistradas federais que não integrem o CLISP, devendo a escolha ser expressamente justificada e condicionada ao aceite do respectivo magistrado ou magistrada.

Art. 5º. Os juízes ou juízas federais relator e revisor poderão fazer uso de serviços auxiliares da Diretoria no Foro para a pesquisa de processos que possivelmente integrem o quadro de litigância predatória investigado, ou dados que lhe sejam correlatos.

Art. 6. Os juízes ou juízas federais relator e revisor poderão provocar órgãos públicos que atuem como partes perante a Justiça Federal para que expressem sua visão sobre o caso em análise, indicando fundamentadamente se entendem se há quadro de litigância predatória.

Art. 7º. O parecer, que poderá tomar a forma de Nota Técnica do CLISP, deverá indicar a conclusão sobre a existência de quadro de litigância predatória, expondo de forma expressa e detalhada as respectivas razões.

 

Esse texto não substitui o publicado no Diário eletrônico