Resolução 404 (CNJ)/2021

Resolução 404 (CNJ)/2021

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02/08/2021

DE CNJ, n. 207, p. 32-36. D ata de disponibilização: 18/08/2021. Data de publicação: 1º dia útil seguinte ao da disponibilização no Diário da Justiça eletrônico (Lei 11419/2006)

Estabelece diretrizes e procedimentos, no âmbito do Poder Judiciário, para a transferência e o recambiamento de pessoas presas

RESOLUÇÃO Nº 404, DE 2 DE AGOSTO DE 2021. Estabelece diretrizes e procedimentos, no âmbito do Poder Judiciário, para a transferência e o recambiamento de pessoas presas. O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DA JUSTIÇA (CNJ), no uso de suas atribuições legais e regimentais; CONSIDERANDO os...
Texto integral

RESOLUÇÃO Nº 404, DE 2 DE AGOSTO DE 2021.

 

Estabelece diretrizes e procedimentos, no âmbito do Poder Judiciário, para a transferência e o recambiamento de pessoas presas.

 

O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DA JUSTIÇA (CNJ), no uso de suas atribuições legais e regimentais;

 

CONSIDERANDO os direitos e garantias fundamentais, especialmente o disposto no art. 5º, XXXV, XLVI, XLVIII, XLIX, LV e LXXVIII da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB/1988), bem como os princípios que regem a administração pública, nos termos do art. 37 da CF/1988;

 

CONSIDERANDO as disposições dos arts. 289 e 289-A do Código de Processo Penal, que dispõem sobre o cumprimento de mandado de prisão fora da jurisdição do juiz processante, ao qual cabe providenciar a remoção da pessoa presa no prazo máximo de 30(trinta) dias, contados da efetivação da medida;

 

CONSIDERANDO o disposto na Lei n. 7.2101984 (Lei de Execução Penal), no sentido de que a execução penal tem por objetivo proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado, assegurando-se todos os direitos não atingidos pela sentença, incluído o direito à visita de parentes e amigos e a permanência em local próximo ao seu meio social e familiar (arts. 1º, 3º, 41, 42 e 103);

 

CONSIDERANDO que a execução penal compete à autoridade judiciária, à qual incumbe zelar pelo correto cumprimento da pena, determinar eventual remoção da pessoa condenada e definir o estabelecimento penal adequado para abrigá-la (art. 65; art. 66, III, f, V, g e h, e VI; art. 86, caput e §3º; e art. 194, da Lei n. 7.210/1984);

 

CONSIDERANDO a Lei n. 8.653/1993, que dispõe sobre o transporte de presos, e a Resolução no 2/2012, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, que proíbe o transporte de pessoas presas ou internadas em condições ou situações que lhes causem sofrimentos físicos ou morais, sob pena de responsabilidade administrativa, civil e criminal;

 

CONSIDERANDO as Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Presos (Regras de Mandela), que dispõem sobre providências relativas à transferência e transporte de pessoas presas, incluída à informação aos familiares (Regras n. 7, 26, 68 e 73);

 

CONSIDERANDO o disposto no art. 17.3 da Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra o Desaparecimento Forçado, que prevê a manutenção de registros oficiais atualizados das pessoas privadas de liberdade, em especial quanto à transferência para outro local de detenção, ao destino e à autoridade responsável pela transferência;

 

CONSIDERANDO o item IX dos "Princípios e Boas Práticas para a proteção das pessoas privadas de liberdade nas Américas",adotados por meio da Resolução nº 01/2008, pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, em seu 131º Período Ordinário de Sessões;

 

CONSIDERANDO o teor das resoluções da Corte Interamericana de Direitos Humanos nas medidas provisórias outorgadas em relação ao Instituto Penal Plácido Sá Carvalho (RJ), Complexo Penitenciário de Pedrinhas (MA) e do Complexo Penitenciário do Curado (PE);

 

CONSIDERANDO a Resolução CNJ nº 350/2020, que estabelece diretrizes e procedimentos sobre a cooperação judiciária nacional entre os órgãos do Poder Judiciário e outras instituições e entidades, prever que a transferência de pessoas presas consiste em ato de cooperação judiciária e determinar que ao Conselho Nacional de Justiça, com o apoio técnico do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e Socioeducativo, cabe propor ato normativo regulamentando a matéria (art. 6º, XV e parágrafo único);

 

CONSIDERANDO a deliberação do Plenário do CNJ, no Procedimento de Ato Normativo no 0004354-63.2021.2.00.0000, na 89ª Sessão Virtual, realizada em 25 de junho de 2021; RESOLVE:

 

CAPÍTULO I

 

DISPOSIÇÕES GERAIS

 

Art. 1º Esta resolução estabelece diretrizes e procedimentos, no âmbito do Poder Judiciário, para a transferência e o recambiamento de pessoas presas.

 

Parágrafo único. A presente resolução disciplina a movimentação de pessoas presas entre estabelecimentos prisionais geridos pelos estados, não se aplicando à transferência e inclusão de pessoas presas no sistema penitenciário federal.

 

Art. 2º Para fins desta resolução, considera-se:

 

I - transferência: a movimentação de pessoa presa, do estabelecimento prisional em que se encontra para outro estabelecimento prisional, situado na mesma unidade da federação; e

 

II  - recambiamento: a movimentação de pessoa presa, do estabelecimento prisional em que se encontra para outro estabelecimento prisional, situado em outra unidade da federação.

 

Art. 3º São diretrizes aplicáveis à transferência e ao recambiamento de pessoas presas:

 

I - a competência do juiz processante para providenciar a remoção da pessoa presa provisoriamente nos casos em que o mandado de prisão é cumprido fora de sua jurisdição;

 

II - a competência do juiz indicado na lei de organização judiciária para processar a execução penal e os respectivos incidentes;

 

III - a articulação interinstitucional e a cooperação entre os órgãos do Poder Judiciário, nos termos da Resolução CNJ no 350/2020;

 

IV - os objetivos da execução penal de efetivar as disposições da decisão criminal e de proporcionar condições para a harmônica integração social da pessoa condenada;

 

V - os princípios da dignidade da pessoa humana, legalidade, devido processo legal, contraditório, ampla defesa e duração razoável do processo;

 

VI - os princípios da impessoalidade, finalidade, motivação, publicidade, segurança jurídica e interesse público;

 

VII - o direito da pessoa presa de permanecer em local próximo ao seu meio social e familiar; e

 

VIII - a realização da movimentação de pessoas presas de forma a respeitar sua integridade física e moral.

 

Art. 4º As transferências e os recambiamentos de pessoas presas serão apreciados pela autoridade judiciária competente, definida nos termos do Código de Processo Penal, das leis de organização judiciária e da Lei de Execução Penal, que contará com o apoio da

Rede Nacional de Cooperação Judiciária, instituída pela Resolução CNJ no 350/2020.

 

§ 1º A autoridade judiciária poderá praticar atos e apresentar pedido de cooperação destinados a órgãos do Poder Judiciário e outras instituições, a fim de comunicar o cumprimento de mandado de prisão oriundo de outra comarca ou unidade da federação,

instruir o procedimento de transferência ou de recambiamento e efetivar a movimentação, nos termos da Resolução CNJ nº 350/2020.

 

§ 2º A cooperação será instrumentalizada, preferencialmente, por auxílio direto, sendo recomendada prévia consulta à autoridade judiciária do local que receberá a pessoa presa.

 

§ 3º As autoridades judiciárias dos locais de origem e de destino da pessoa presa poderão solicitar apoio aos Juízes de Cooperação e aos Núcleos de Cooperação Judiciária para intermediar o concerto de atos e ajudar na solução para problemas dele decorrentes.

 

CAPÍTULO II DA TRANSFERÊNCIA

 

Art. 5º Compete ao Poder Judiciário decidir sobre os requerimentos de transferência apresentados em juízo e realizar o controle de legalidade das transferências determinadas no âmbito da administração penitenciária.

 

Art. 6º O requerimento de transferência pode ser apresentado:

 

I -pela pessoa presa, por si ou por advogado constituído, advogada constituída ou membro da Defensoria Pública;

 

II - pelos familiares da pessoa presa;

 

III - por membro do Ministério Público;

 

IV - pela diretoria de unidade prisional;

 

V - por representante da secretaria de estado responsável pela administração penitenciária; e

 

VI - por representante de conselho da comunidade, conselho penitenciário ou mecanismo de prevenção e combate à tortura.

 

§ 1º O procedimento de transferência de pessoa presa pode ser instaurado de ofício, sempre que presente algum dos fundamentos previstos no art. 7º da presente Resolução.

 

§ 2º O requerimento de transferência de pessoa presa pode ser apresentado independentemente do tempo de pena                                                                                                                                                                                      já cumprido no estabelecimento prisional em que se encontra custodiada.

 

Art. 7º A transferência de pessoa presa poderá ser efetuada com fundamento em:

 

I - risco à vida ou à integridade da pessoa presa;

 

II - necessidade de tratamento médico;

 

III - risco à segurança;

 

IV - necessidade de instrução de processo criminal;

 

V - necessidade da administração penitenciária;

 

VI - permanência da pessoa presa em local próximo ao seu meio social e familiar;

 

VII - exercício de atividade laborativa ou educacional;

 

VIII - regulação de vagas em função de superlotação ou condições inadequadas de privação de liberdade; e

 

IX - outra situação excepcional, devidamente demonstrada.

 

Parágrafo único. A transferência de pessoas presas não tem natureza de sanção administrativa por falta disciplinar, nos termos do art. 53 da Lei de Execução Penal.

 

Art. 8º  Para os fins do art. 7º, VIII, a autoridade judicial considerará a ocupação dos estabelecimentos de origem e destino, de modo a evitar sobrepopulação nos espaços de privação de liberdade, riscos à segurança, aumento da insalubridade e a propagação de doenças às pessoas privadas de liberdade e aos agentes que laboram na localidade.

 

Parágrafo único. No caso do caput, será dada prioridade a outras medidas de redução da população carcerária, em especial àquelas que decorrem da Súmula Vinculante n. 56 do Supremo Tribunal Federal, sem prejuízo de demais iniciativas.

 

Art. 9º O requerimento de transferência será apresentado com as informações essenciais à apreciação do pedido e a respectiva motivação e será autuado como procedimento, com tramitação em sistema eletrônico.

 

§ 1º Os tribunais poderão disciplinar os elementos necessários à instrução do requerimento, atendendo-se aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

 

§ 2º O direito de petição da pessoa presa será assegurado de maneira efetiva, cabendo aos tribunais receber e processar os requerimentos de transferência, observados os direitos de acesso à justiça e à assistência judiciária gratuita, bem como a instrumentalidade das formas.

 

Art. 10. A tramitação do procedimento de transferência de pessoa presa contemplará:

 

I - manifestação do Ministério Público e da defesa técnica, quando não tiverem apresentado o requerimento;

 

II - oitiva da pessoa presa, sempre que não for a requerente, zelando-se pela livre manifestação de sua vontade;

III - consulta a órgão da administração penitenciária; e

 

IV - direito de informação da pessoa presa, do requerente e dos demais órgãos da execução penal, sobre o andamento do requerimento. Parágrafo único. A publicidade do procedimento de transferência poderá ser restringida, em hipóteses excepcionais, a fim de resguardar a segurança da pessoa presa.

 

Art. 11. A decisão que apreciar o requerimento de transferência de pessoa presa deverá ser fundamentada, com análise das questões de fato e de direito.

 

§ 1º A autoridade judiciária determinará a intimação do requerente, da pessoa presa e da defesa técnica, para ciência da decisão.

 

§ 2º Na hipótese de deferimento do requerimento de transferência, a autoridade judiciária comunicará ainda:

 

I - a família da pessoa presa, sempre que presentes informações que possibilitem a medida; e

 

II - a secretaria de estado responsável pela administração penitenciária, para efetivação da transferência da pessoa presa, com o traslado de seu prontuário médico e bens pessoais.

 

Art. 12. Em situações excepcionais, nas quais configurado iminente risco à vida e à segurança, é possível a apreciação e deferimento de requerimento de transferência de pessoa presa, sem a adoção prévia das providências de que trata o art. 10, que serão realizadas em 48 (quarenta e oito) horas.

 

Art. 13. O controle judicial de legalidade das transferências determinadas no âmbito da administração penitenciária será realizado à luz das diretrizes e princípios elencados no art. 3º  da presente Resolução.

 

§ 1º Os Núcleos de Cooperação Judiciária dos tribunais, em cooperação com as secretarias de estado com atribuição para a gestão penitenciária e realização do transporte de pessoas presas, atuarão pela harmonização de procedimentos e rotinas administrativas,

de modo a contemplar:

 

I - o procedimento administrativo de acordo com as diretrizes e princípios elencados no art. 3o da presente Resolução;

 

II - hipóteses excepcionais em que a publicidade do procedimento de transferência poderá ser restringida, a fim de resguardar a segurança da pessoa presa;

 

III - medidas para coibir o desvio de finalidade e o uso abusivo de transferências, incluída a previsão de responsabilização administrativa.

 

IV - a comunicação obrigatória ao juízo competente sobre as transferências realizadas, com a disponibilização de acesso ou o envio de cópia dos procedimentos administrativos correspondentes, em até 48 (quarenta e oito) horas;

 

V - a realização do transporte de forma a respeitar a dignidade e integridade física e moral da pessoa presa, observados o art. 16 da presente Resolução e a legislação aplicável;

 

VI - o cumprimento do prazo previsto no art. 289, § 3º, do Código de Processo Penal; e

 

VII - a comunicação aos familiares sobre o local de destino da transferência.

 

§ 2º Sem prejuízo do disposto no parágrafo anterior, o controle judicial poderá ser provocado pelos interessados de que trata o art. 6º, I, II, III e VI, da presente Resolução, observado o disposto no art. 9º, § 2º.

 

CAPÍTULO III DOS RECAMBIAMENTOS

 

Art. 14. O recambiamento de pessoas presas será determinado pela autoridade judiciária competente, observado o procedimento descrito nos arts. 6ª ao 11 da presente Resolução, e será instrumentalizado a partir de atos de cooperação, nos termos do art. 4º.

 

Art. 15. O Comitê Executivo da Rede Nacional de Cooperação Judiciária apoiará os Núcleos de Cooperação Judiciária dos Tribunais na elaboração de termos de cooperação ou instrumentos congêneres, entre si, com o Departamento Penitenciário Nacional e com outras instituições, para a construção de diretrizes para a efetivação dos recambiamentos, em âmbito nacional.

 

§ 1º Os Núcleos de Cooperação Judiciária dos Tribunais poderão celebrar termos de cooperação ou instrumentos congêneres, entre si e com outras instituições, para a construção de fluxos de recambiamentos e harmonização de rotinas e procedimentos entre unidades da federação próximas.

 

§ 2º Os termos de cooperação e instrumentos congêneres de que trata este artigo serão elaborados com observância aos princípios e diretrizes previstos nesta Resolução.

 

CAPÍTULO IV

DO TRANSPORTE

 

Art. 16. As transferências e recambiamentos serão realizados de forma a respeitar a dignidade e integridade física e moral das pessoas presas, observando, especialmente:

 

I - as condições de segurança no transporte, em conformidade com as normas do Código Nacional de Trânsito Brasileiro, incluídos a adequação dos assentos e cintos de segurança;

 

II - a iluminação e segurança climática dos veículos utilizados para o transporte;

 

III - a adoção de mecanismos de prevenção de conflitos durante o período de deslocamento entre as pessoas transportadas, atentando-se aos marcadores de gênero e orientação sexual, evitando-se ainda o transporte no mesmo veículo de pessoas com histórico de desavenças entre si;

 

IV - a disponibilidade de alimentação e água e, nos casos de deslocamentos que excedam 3 (três) horas de duração, a necessidade de parada para refeição e uso de banheiro;

 

V - os cuidados especiais à pessoa presa gestante, idosa, com deficiência, acometida de doença ou que necessite de tratamento médico; e

 

VI - preservação do anonimato e do sigilo das pessoas transportadas, vedada a exposição pública.

 

§ 1ª Será efetuado o registro da data, da hora de saída do estabelecimento de origem e da hora de chegada no estabelecimento de destino

 

Art.  18.  Os  atos  normativos  editados  pelos  tribunais  para  regulamentar  a  transferência  e  o  recambiamento  de  pessoas

presas  serão  disponibilizados  em  seus  sítios  eletrônicos  e  encaminhados  ao  Conselho  Nacional  de  Justiça,  nos  autos  do  procedimento  de acompanhamento da presente resolução.

 

Parágrafo único. Os atos normativos já existentes acerca da matéria serão adequados às disposições desta Resolução, no

prazo de 90 (noventa) dias.

 

Art. 19. O acompanhamento do cumprimento desta Resolução contará com o apoio técnico do Departamento de

Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas do Conselho Nacional de Justiça (DMF).

 

Art.  20. Os sistemas e cadastros de tramitação processual e de gestão da custódia serão adaptados para registrar a

movimentação das pessoas presas, de modo a permitir consulta de alocação e dados sobre as demandas de transferências e recambiamentos.

 

Art. 21. Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.

 

Ministro LUIZ FUX

 

Este texto não substitui o publicado no Diário da Justiça.