Resolução 405 (CNJ)/2021
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Judiciário
06/07/2021
DE CNJ, n. 175, p. 3-9. Data de disponibilização: 09/07/2021. Data de publicação: 1º dia útil seguinte ao da disponibilização no Diário da Justiça eletrônico (Lei 11419/2006)
Estabelece procedimentos para o tratamento das pessoas migrantes custodiadas, acusadas, rés, condenadas ou privadas de liberdade, inclusive em prisão domiciliar e em outras formas de cumprimento de pena em meio aberto, em cumprimento de alternativas penais ou monitoração eletrônica e confere diretrizes para assegurar os direitos dessa população no âmbito do Poder Judiciário
RESOLUÇÃO N. 405, DE 6 DE JULHO DE 2021.
Estabelece procedimentos para o tratamento das pessoas migrantes custodiadas, acusadas, rés, condenadas ou privadas de liberdade, inclusive em prisão domiciliar e em outras formas de cumprimento de pena em meio aberto, em cumprimento de alternativas penais ou monitoração eletrônica e confere diretrizes para assegurar os direitos dessa população no âmbito do Poder Judiciário.
O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ), no uso de suas atribuições legais e regimentais,
CONSIDERANDO que a República Federativa do Brasil é regida pela prevalência dos direitos humanos nas relações internacionais (art. 4º II, da CF), cumprindo garantir o devido processo legal a todas as pessoas sujeitas à jurisdição criminal, independentemente da nacionalidade;
CONSIDERANDO as Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Presos - Regras de Mandela -, que dispõem sobre a concessão, aos reclusos de nacionalidade estrangeira, de facilidades razoáveis para comunicação com os representantes diplomáticos e consulares do Estado de que sejam nacionais (Regra n. 62), bem como as Regras das Nações Unidas que estabelecem parâmetros e medidas de tratamento humanitário para mulheres em privação de liberdade e egressas das prisões (Regras de Bangkok), com a garantia de acesso aos representantes consulares quando do ingresso de mulher migrante no sistema penitenciário (Regra n. 2);
CONSIDERANDO a previsão do art. 36 da Convenção de Viena sobre Relações Consulares (1963), promulgada pelo Decreto n. 61.078/1967, bem como a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que reconhecem que o direito à assistência consular integra a cláusula do devido processo legal, podendo sua inobservância resultar em responsabilização internacional, conforme condenação da Corte Internacional de Justiça, no Caso Avena e outros vs. Estados Unidos (2004), bem como Lagrande outros vs. Estados Unidos (2001); CONSIDERANDO que a Corte Interamericana de Direitos Humanos emitiu a Opinião Consultiva n. 16/1999, quanto ao direito à informação a assistência consular no marco das garantias do devido processo legal, ocasião em que esclareceu, no ponto resolutivo 06, que o direito individual é exigível em face do Estado por se tratar de uma garantia abarcada pelo art. 14 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e do art. 8º da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, interpretados à luz da Convenção de Viena sobre Relações Consulares (1963);
CONSIDERANDO as disposições da Lei n. 7.210/1984 (Lei de Execução Penal), a qual estabelece que ao condenado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei, sem qualquer distinção de natureza racial, social, religiosa ou política;
CONSIDERANDO as disposições da Lei n. 9.474/1997, que estabelece mecanismos e diretrizes para a implementação da Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951;
CONSIDERANDO as disposições da Lei n. 13.344/2016, que prevê medidas de repressão e prevenção ao tráfico internacional de pessoas e de proteção às vítimas;
CONSIDERANDO o disposto na Lei n. 13.445/2017 (Lei de Migração), a qual estabelece os direitos e os deveres do migrante e do visitante, regula a sua entrada e estada no país e prevê princípios e diretrizes para as políticas públicas para o emigrante;
CONSIDERANDO a Resolução CNJ n. 369/2021, que estabelece procedimentos e diretrizes para a substituição da privação de liberdade de gestantes, mães, pais e responsáveis por crianças e pessoas com deficiência, nos termos dos arts. 318 e 318-A do Código de Processo Penal, e em cumprimento às ordens coletivas de habeas corpus concedidas pela 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal nos HCs n. 143.641/SP e 165.704/DF;
CONSIDERANDO a Resolução n. 4/2019, da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que adota os princípios interamericanos sobre os direitos humanos de todas as pessoas migrantes, refugiadas, apátridas e vítimas do tráfico de pessoas;
CONSIDERANDO as diretrizes interpretativas do Comitê sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e Membros de Suas Famílias, por meio de seu Comentário Geral n. 02.
CONSIDERANDO a deliberação do Plenário do CNJ, no Procedimento de Ato Normativo n. 0009272-52.2017.2.00.0000, na 89ª Sessão Virtual, realizada em 25 de junho de 2021;
RESOLVE
Art. 1º Estabelecer procedimentos para o tratamento das pessoas migrantes custodiadas, acusadas, rés, condenadas ou privadas de liberdade, inclusive em prisão domiciliar e em outras formas de cumprimento de pena em meio aberto, em cumprimento de alternativas penais ou monitoração eletrônica e conferir diretrizes para assegurar os direitos dessa população no âmbito do Poder Judiciário.
Art. 2º Entende-se por migrante toda pessoa que se encontra fora do território de que é nacional, independentemente da situação migratória, intenção ou duração de sua estada ou permanência.
Parágrafo único. O conceito de migrante abrange o apátrida, entendido como pessoa que não seja considerada como nacional por nenhum Estado, segundo a sua legislação, nos termos da Convenção sobre o Estatuto dos Apátridas, de 1954, promulgada pelo Decreto n. 4.246/2002.
Art. 3º São princípios que regem o tratamento das pessoas migrantes a que se refere esta Resolução:
I. universalidade, indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos;
II. repúdio e prevenção à xenofobia, ao racismo, ao tráfico de pessoas e a quaisquer formas de discriminação;
III. não criminalização da migração;
IV. não discriminação em razão dos critérios ou dos procedimentos pelos quais a pessoa foi admitida em território nacional;
V. garantia do direito à assistência consular;
VI. garantia do devido processo legal e do direito à não discriminação no processo de conhecimento ou em qualquer fase da execução da pena;
VII. promoção da regularização documental, com acesso à documentação necessária à regularização migratória e ao exercício dos direitos;
VIII. garantia do direito à reunião familiar e do exercício da maternidade ou paternidade;
IX. igualdade de tratamento e de oportunidade, considerando-se os variados marcadores sociais da diferença, tais como raça, origem étnica ou nacional, gênero e orientação sexual, condição social e exposição à pobreza, entre outros;
X. inclusão social e laboral, com acesso igualitário a serviços, programas e benefícios;
XI. direito à assistência jurídica integral e gratuita;
XII. promoção do direito de acesso à informação sobre direitos e obrigações da pessoa migrante, incluídos os que decorram da sua condição de custodiada, acusada, ré, condenada, privada de liberdade ou em cumprimento de alternativas penais;
XIII. cooperação internacional com Estados de origem, de trânsito e de destino de movimentos migratórios, a fim de promover a efetiva proteção aos direitos humanos do migrante; e XIV. difusão e garantia dos direitos reconhecidos nos tratados internacionais e na jurisprudência de cortes internacionais de direitos humanos.
Art. 4º Será garantida a presença de intérprete ou tradutor do idioma falado pela pessoa migrante em todas as etapas do processo penal em que ela figure como parte, incluindo a audiência de custódia.
Parágrafo único. Os órgãos do Poder Judiciário deverão envidar esforços para promover o acesso dos principais documentos do processo judicial à pessoa migrante, traduzidos no idioma por ela falado.
Art. 5º Presentes elementos de que a pessoa migrante seja vítima direta ou indireta de tráfico de pessoas, nos termos da Lei n. 13.344/2016, o juiz encaminhará os indícios às autoridades responsáveis, bem como tomará as medidas de proteção e atendimento cabíveis, conforme art. 6º da referida lei.
Parágrafo único. As medidas indicadas no caput não devem levar à revitimização da pessoa migrante.
Art. 6º Presentes indícios de vulnerabilidade específica ou a pedido das partes, o juiz poderá indagar à pessoa migrante, em audiência, acerca do interesse em solicitar refúgio ou outras formas de proteção complementar, nos termos da Lei n. 9.474/1997, e da Lei n. 13.445/2017, com encaminhamento, por ofício, à autoridade competente.
§ 1º O ingresso irregular no território nacional não constitui impedimento para a pessoa migrante solicitar refúgio às
autoridades competentes, conforme art. 8º da Lei n. 9.474/1997.
§ 2º Caso haja pedido de refúgio pela pessoa migrante, deverá ser observado o disposto no art. 10 da Lei n. 9.474/1997, suspendendo-se qualquer procedimento administrativo ou criminal instaurado contra a pessoa e integrantes de seu grupo familiar, em razão de entrada irregular no território nacional.
§ 3º A comunicação da prisão de pessoa refugiada ou solicitante de refúgio à representação consular ou diplomática será feita exclusivamente nos casos em que houver solicitação expressa, nos termos do art. 7º, II, desta Resolução.
Art. 7º Compete aos órgãos do Poder Judiciário garantir o exercício do direito da pessoa migrante à assistência consular durante o processo administrativo ou judicial, cabendo, especialmente:
I. informar à pessoa migrante sobre a possibilidade de exercício do direito à assistência consular, antes de prestar qualquer depoimento;
II. comunicar à representação consular sobre a prisão, assim que efetivada, exclusivamente nos casos em que a pessoa migrante assim o solicitar;
III. transmitir sem tardar qualquer comunicação endereçada à representação consular pela pessoa migrante; e
IV. possibilitar a visita de funcionários consulares aos estabelecimentos de privação de liberdade e a presença em audiências, com a concordância da pessoa migrante.
Parágrafo único. Nos casos em que não houver representação consular ou representante nomeado pelo país de origem da pessoa, deverá ser comunicada à representação diplomática e, em sua ausência, o Ministério das Relações Exteriores.
Art. 8º Na audiência de custódia que envolva pessoa migrante, a ser conduzida nos termos da Resolução CNJ n. 213/2015, a autoridade judicial deverá:
I. indagar acerca da nacionalidade da pessoa migrante, da língua falada, bem como da fluência na língua portuguesa;
II. certificar se o exercício do direito à assistência consular foi garantido, nos termos do art. 7º da presente Resolução;
III. adotar as medidas mencionadas nos arts. 5º e 6º da presente Resolução, constatados os indícios ou a pedido das partes;
IV. facilitar o contato com familiares ou pessoas de sua confiança no país de origem ou no país de residência destes para informação da prisão, podendo se valer de equipamentos destinados à realização de visita virtual e permitindo-se o acesso da pessoa migrante a contatos telefônicos;
V. averiguar hipóteses de gravidez, existência de filhos ou dependentes sob cuidados da pessoa migrante custodiada, histórico de saúde e uso de medicação contínua, incluídos os transtornos mentais e uso problemático de álcool e outras drogas, situação de moradia, trabalho e estudo, para eventual encaminhamento no âmbito da proteção social;
VI. promover o atendimento por equipe psicossocial, sempre que necessário com a participação de intérprete;
VII. providenciar o encaminhamento da pessoa migrante às políticas de proteção ou inclusão social existentes, de acordo com as demandas identificadas, esclarecendo quanto à sua natureza voluntária; e
VIII. comunicar a representação consular e diplomática em caso de decretação da prisão preventiva, se a pessoa solicitar.
§ 1º No caso de pessoa migrante que não possua residência no país, será dada especial atenção ao encaminhamento a programas de acolhimento e moradia, com o auxílio do serviço de acompanhamento de alternativas penais, das representações diplomáticas e consulares, das secretarias de assistência social municipais e organizações da sociedade civil, considerando a situação de vulnerabilidade.
§ 2º Nos casos de que trata o parágrafo anterior, a autoridade judicial solicitará que a entidade responsável pelo encaminhamento informe ao juízo o endereço em que está acolhida a pessoa migrante.
§ 3º Em caso de relaxamento da prisão em flagrante ou concessão de liberdade provisória, deverá ser esclarecido à pessoa migrante a natureza da medida e suas implicações, com entrega de cópia da ata da audiência e comunicação da necessidade de informar eventual mudança de endereço.
§ 4º A aplicação das medidas cautelares diversas da prisão deverá compreender a análise da adequação à situação da pessoa migrante e a necessidade das medidas, com estipulação de prazos para seu cumprimento e para a reavaliação de sua manutenção, nos termos do art. 316 do Código de Processo Penal e do art. 9° da Resolução CNJ n. 213/2015.
Art. 9º A autoridade judicial decidirá sobre o passaporte da pessoa, que deverá:
I. ser entregue à pessoa, em caso de colocação em liberdade com ou sem aplicação de medida cautelar diversa da prisão;
II. ficar acautelado na administração do estabelecimento prisional a que for encaminhada, para restituição quando da soltura, em caso de decretação da prisão preventiva, conforme art. 7º, § 1º, da Resolução CNJ n. 306/2019; e
III. ser restituído à pessoa no cartório da unidade policial ou da vara do processo de conhecimento em caso de apreensão, quando não for mais de interesse do processo.
§ 1º A Polícia Federal será comunicada nos casos em que for imposta à pessoa migrante a proibição de se ausentar do território nacional.
§ 2º Enquanto não restituído o passaporte, nos termos do inciso III deste artigo, deverá ser disponibilizada à pessoa migrante cópia integral do passaporte, podendo ser autenticada pelo cartório correspondente.
Art. 10. O tratamento penal às mulheres migrantes considerará, especialmente:
I. a excepcionalidade da prisão provisória, sobretudo para as gestantes, lactantes, mães e responsáveis por crianças menores de 12 (doze) anos ou pessoas com deficiência, nos termos dos arts. 318 e 318-A do Código de Processo Penal e do acórdão proferido pela 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal no julgamento do HC n. 143.641/SP;
II. a progressão de regime nos termos do art. 112, § 3º, da Lei de Execução Penal;
III. que a situação migratória da mulher não poderá servir de óbice à determinação de prisão domiciliar, à concessão de progressão de regime e ao exercício dos demais direitos do processo e da execução penal;
IV. que o acompanhamento da execução das mulheres migrantes a que se referem os arts. 72 e 112 da Lei de Execução Penal será realizado caso a caso, se possível, com apoio da rede de proteção social local ou, quando cabível, das representações consular e diplomática; e
V. que, em caso de aplicação da prisão domiciliar à mulher migrante cuja família não possua residência ou rede de apoio, deverá ser mobilizada a rede de proteção social, as representações consular e diplomática, bem como organizações da sociedade civil para garantir a manutenção de vínculo e convívio familiar, nos termos do art. 23 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
§ 1º A concessão de liberdade provisória ou colocação em prisão domiciliar levará em conta a vivência da maternidade transnacional, que pode ser exercida mesmo quando os filhos ou as filhas residirem no exterior, considerando a facilitação de contato por meio virtual e a possibilidade de prover alimentos por meio de remessa de verba ao exterior.
§ 2º Na excepcionalidade da manutenção da prisão preventiva ou cumprimento de pena em regime fechado da mãe migrante, deverá o juiz considerar, especialmente quando houver tratados bilaterais ou multilaterais em vigência, ou ainda promessa de reciprocidade por parte do Estado estrangeiro:
I. a transferência das mulheres migrantes presas ao seu país de origem, especialmente se nele tiverem filhos, após prévia requisição ou o consentimento informado da mulher; e
II. o envio da criança a seus familiares no país de origem, caso retirada da unidade prisional em que esteja com mãe
migrante, considerando o seu melhor interesse e após consentimento informado da mulher.
§3º Aplicam-se as disposições deste artigo, no que couber, aos pais e responsáveis por crianças e pessoas com deficiência, nos termos da Resolução CNJ n. 369/2021 e do acórdão proferido pela 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal no HC n. 165.704.
Art. 11. O juiz considerará, observada a condição peculiar da pessoa migrante, a possibilidade de: I. transferência da pessoa condenada para cumprimento da pena no país de origem, no país em que tiver residência ou vínculo pessoal, quando expressar interesse nesse sentido, por meio de medidas de cooperação jurídica internacional, quando houver tratado ou promessa de reciprocidade;
II. retorno voluntário, especialmente nas hipóteses de cumprimento de pena não privativa de liberdade ou durante o cumprimento em regime aberto e livramento condicional, mediante autorização de viagem internacional antes da extinção da punibilidade pelo cumprimento integral da pena; e
III. possibilidade de cumprimento de medidas de retirada compulsória da Lei de Migração após o trânsito em julgado da condenação e antes da extinção da pena, especialmente nas hipóteses de cumprimento de pena não privativa de liberdade ou de deferimento de benefícios da execução penal.
Art. 12. Nos estabelecimentos penais onde houver pessoas migrantes privadas de liberdade, o juízo de execução penal, no exercício de sua competência de fiscalização, zelará para que seja garantida a assistência consular, material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa, considerando, especialmente:
§ 1º Quanto ao direito às visitas:
I. análise para a inclusão de amigos e conhecidos no rol de relações socioafetivas declaradas, não limitadas às oficialmente reconhecidas, assegurado o direito às visitas íntimas;
II. garantia de acesso ao estabelecimento de privação de liberdade por parte de representantes das representações diplomáticas e consulares do país de origem; e
III. a realização de visita virtual e a disponibilização de outros meios de contato com o mundo exterior, inclusive com pessoas que se encontrem em outros países, de forma desburocratizada.
§ 2º Quanto ao direito à assistência material:
I. o recebimento de auxílio material suplementar prestado pelas representações consular e diplomática; e
II. a articulação com organizações, consulados e embaixadas para possibilitar o recebimento e o envio de recursos financeiros para familiares no exterior.
§ 3º Quanto ao trabalho, educação e demais políticas ofertadas nos estabelecimentos prisionais:
I. a garantia de não discriminação e o oferecimento de oportunidades em iguais condições em todas as iniciativas realizadas dentro do estabelecimento prisional;
II. o estímulo e autorização de trabalho como intérprete de outras línguas durante a privação de liberdade e a consideração para fins de remição;
III. o respeito a práticas religiosas, inclusive aquelas que envolvam restrições alimentares, acesso a artigos religiosos e regras de vestuário; e
IV. disponibilização de intérprete ou tradutor, inclusive de maneira virtual, nas interações institucionais dentro da unidade, quando necessário, para o exercício de direitos.
Art. 13. Deverá ser assegurada documentação civil básica, de forma preferencialmente gratuita, às pessoas migrantes privadas de liberdade no sistema prisional, devendo os documentos, inclusive o passaporte, ser entregues à pessoa no momento em que for colocada em liberdade, nos termos dos arts. 6º e 7º da Resolução CNJ n. 306/2019.
Parágrafo único. O juiz poderá indicar expressamente, na sentença condenatória ou em outro momento processual, desde a audiência de custódia, o encaminhamento à autoridade competente para a solicitação de emissão de Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS), física ou digital.
Art. 14. O juiz do processo de conhecimento encaminhará ao Ministério da Justiça e da Segurança Pública cópia da sentença penal condenatória proferida em desfavor de pessoa migrante e da respectiva certidão de trânsito em julgado, conforme previsto no art. 54, § 1º, da Lei de Migração, nos seguintes casos:
I. crime de genocídio, crime contra a humanidade, crime de guerra ou crime de agressão, nos termos definidos pelo Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, de 1998, promulgado pelo Decreto n. 4.388/2002; e
II. crime comum doloso passível de pena privativa de liberdade, consideradas a gravidade e as possibilidades de
ressocialização em território nacional.
Parágrafo único. O processamento da expulsão em caso de crime comum não prejudicará a progressão de regime, o cumprimento da pena, a suspensão condicional do processo, a comutação da pena ou a concessão de pena alternativa, de indulto coletivo ou individual, de anistia ou de quaisquer benefícios concedidos em igualdade de condições ao nacional brasileiro.
Art. 15. Os órgãos do Poder Judiciário deverão zelar para que a pessoa migrante tenha condições jurídicas para exercer todos os direitos não restringidos por decisão motivada durante o processo ou pela decisão condenatória, inclusive quanto à regularização de sua permanência em território nacional, durante todo o trâmite do processo e da execução penal.
§ 1o
Em qualquer fase do processo administrativo ou judicial será dada atenção à possibilidade de regularização migratória, nos termos do art. 30, II, ¿h¿, da Lei n. 13.445/2017, até a efetivação de eventual expulsão.
§ 2º O Poder Judiciário fará o controle de legalidade e razoabilidade quanto à exigência da certidão de antecedentes criminais e outros documentos para o exercício de direitos sem discriminação, considerados o objetivo de integração social e os direitos à regularização migratória e ao trabalho, no curso do processo criminal ou do cumprimento da pena.
§ 3º Cabe aos tribunais o mapeamento e mobilização de rede de proteção social local e organizações da sociedade civil, provendo-se o acolhimento e encaminhamento da pessoa migrante egressa e seus familiares, por meio do Escritório Social, para inclusão nas políticas públicas disponíveis, especialmente aquelas previstas no art. 8º da Resolução CNJ n. 307/2019, ou encaminhamento equivalente a outros equipamentos destinados a pessoas egressas do sistema prisional e migrantes.
Art. 16. Além do disposto nesta Resolução, aplicam-se às pessoas migrantes autodeclaradas indígenas ou autodeclaradas como parte da população lésbica, gay, bissexual, transexual, travesti ou intersexo, as disposições previstas, respectivamente, na Resolução CNJ n. 287/2019 e na Resolução CNJ n. 348/2020.
Art. 17. Esta Resolução também será aplicada aos adolescentes migrantes apreendidos, processados por cometimento de ato infracional ou em cumprimento de medida socioeducativa, no que couber e enquanto não for elaborada normativa própria, considerando a condição de pessoa em desenvolvimento e o princípio da prioridade absoluta, feitas as devidas adaptações conforme previsão do Estatuto da Criança e do Adolescente e legislação aplicável.
Art. 18. O Conselho Nacional de Justiça e os tribunais deverão fazer constar em seus sistemas informatizados, de forma obrigatória, a informação sobre a nacionalidade da pessoa.
Parágrafo único. Os cadastros e sistemas deverão assegurar a proteção dos dados pessoais e o respeito aos direitos e garantias individuais, notadamente à intimidade, privacidade, honra, imagem e eventual condição de refugiado.
Art. 19. Os tribunais deverão elaborar e manter cadastro de intérpretes com experiência em atuação forense à disposição do juízo, bem como lista de autoridades consulares, embaixadas e missões diplomáticas, além de instituições e serviços no âmbito da proteção social, bem como organizações da sociedade civil, para efetivar a aplicação desta Resolução.
Parágrafo único. Para o cumprimento do disposto no caput, os tribunais poderão promover parcerias com órgãos e entidades públicas e particulares locais com atuação perante a população migrante, bem como universidades públicas e particulares.
Art. 20. Para o cumprimento do disposto nesta Resolução, os tribunais, em colaboração com as escolas de magistratura, poderão promover cursos destinados à permanente qualificação e atualização funcional dos magistrados e serventuários que atuam nas unidades judiciárias que realizam a audiência de custódia, em varas criminais, juizados especiais criminais e juizados de violência doméstica e familiar contra a mulher e varas de execução penal, bem como àquelas com competência para a apuração de ato infracional e de execução de medidas socioeducativas, notadamente nas comarcas e seções judiciárias com maior presença de população migrante.
§ 1º Para os fins do caput deste artigo, incentiva-se a colaboração com instituições de ensino superior, órgãos públicos e outras organizações especializadas no trabalho com a população migrante.
§ 2º Os tribunais poderão promover ações de capacitação dos magistrados e servidores com atuação na área criminal com objetivo de divulgar a previsão de normativas internacionais e de jurisprudência de mecanismos internacionais sobre direitos humanos e direitos da população migrante, de forma a viabilizar a discussão sobre as regras de interpretação a serem adotadas, no que concerne à harmonização e compatibilização dos tratados internacionais de direitos humanos firmados pelo Brasil.
Art. 21. O Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas do Conselho Nacional de Justiça elaborará, em até 180 (cento e oitenta) dias, manual voltado à orientação dos tribunais e magistrados quanto à implementação das medidas previstas nesta Resolução.
Art. 22. Fica revogada a Resolução CNJ n. 162/2012.
Art. 23. Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.
Ministro LUIZ FUX
Esse texto não substitui o publicado no Diário Eletrônico