Nota Técnica 1 (CLIMS)/2021

Nota Técnica 1 (CIJF/MS), de 25/03/2021

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25/03/2021

Acordo de não persecução penal (ANPP)

NOTA TÉCNICA CLIMS N. 01/2021 Centro Local de Inteligência da Justiça Federal do Mato Grosso do Sul Campo Grande, 25 de março de 2021 Assunto: Acordo de Não Persecução Penal Relatora: Juíza Federal Substituta Júlia Cavalcante Silva Barbosa Revisor: Juiz Federal Substituto Lucas Medeiros...
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NOTA TÉCNICA CLIMS N. 01/2021

 

Centro Local de Inteligência da Justiça Federal do Mato Grosso do Sul

 

Campo Grande, 25 de março de 2021

 

Assunto: Acordo de Não Persecução Penal

 

Relatora: Juíza Federal Substituta Júlia Cavalcante Silva Barbosa

Revisor: Juiz Federal Substituto Lucas Medeiros Gomes

 

I. Justificativa

 

A presente Nota Técnica, com fulcro na Resolução n.º 499/2018 do Conselho da Justiça Federal, tem por objetivo fornecer subsídios aos magistrados desta Justiça Federal da 3ª Região acerca da interpretação e aplicação da norma legal que instituiu o Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), previsto no art. 28-A do CPP, introduzido pela Lei nº 13.964/2019.

 

Trata-se de medida despenalizadora com aptidão para incidir sobre considerável volume das lides criminais de competência da Justiça Federal, na medida em que o requisito objetivo para a sua aplicação consiste apenas em se tratar de infração penal cometida sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos.

 

Todavia, tem-se observado, na prática, que questões formais acabam por dificultar a sua utilização, dado que o instituto é regulado de forma pouca detalhada na lei processual vigente.

 

A omissão do ordenamento sobre as questões formais e procedimentais atinentes à aplicação do instituto ainda tem levado os magistrados a adotarem soluções diversas em cada unidade jurisdicional, impedindo que a aplicação da regra ocorra de maneira uniforme entre todos os juízos com competência criminal, como seria desejável para proporcionar a devida isonomia entre os jurisdicionados.

 

Em face do exposto, entende-se salutar a fixação de entendimentos e adoção de procedimentos uniformes na utilização do referido instituto, razão pela qual se promoveram os estudos que ora subsidiam esta Nota Técnica.

 

II. Conceito e finalidades do ANPP

 

Nas palavras de Mauro Messias: "O acordo de não persecução penal, instituído pela Lei Anticrime no artigo 28-A do Código de Processo Penal, consiste no ajuste, em procedimento que apure crime de mediana gravidade, isto é, com pena mínima inferior a quatro anos[1] (e. g. uso de documento falso, furto qualificado e embriaguez ao volante), entre o membro do Ministério Público[2] (ou querelante) e o investigado, no qual sejam pactuadas condições (e não penas), com a obrigatória homologação do acordo pelo juiz das garantias[3]". Ressalve-se que, diante da suspensão do art. 3-B e ss. do CPP, a competência para homologar o acordo vem sendo exercida pelo juiz de conhecimento do processo investigativo. A inovação legal segue a tendência, observada no direito comparado, da assimilação de mecanismos consensuais pela área criminal, com vistas a atender à crescente demanda social por celeridade na resolução dos casos penais.

 

A um só tempo, a adoção do instituto favorece também o bom funcionamento do aparato judicial e a qualidade da prestação jurisdicional. Isto porque o integral adimplemento do acordo por parte do acusado evitará definitivamente a propositura de ação penal pública, resultando na extinção da punibilidade do acordante (artigo 28-A, § 13, do CPP).

 

Desse modo, o Poder Judiciário desafoga-se de um grande número de demandas relativas a pequenas infrações, cuja solução pode-se dar de maneira satisfatória na seara consensual " como amplamente verificado pela experiência dos sistemas penais alienígenas " podendo-se ocupar da apreciação e julgamento dos delitos de maior gravidade, que de fato reclamam a atuação da jurisdição penal, com todos os ritos e gravames que esta importa.

 

Ademais, não é de hoje que são festejados pela doutrina as vantagens e os benefícios da adoção dos meios autocompositivos, dado que estes, além de reduzirem o número de demandas tramitando no Judiciário, são menos custosos para as partes e proporcionam maior êxito em promover a pacificação social.

 

Pois bem, feito este breve introito, mas tendo em mente que o presente documento não tem objetivo de promover maiores reflexões doutrinárias, senão oferecer soluções a questões de ordem prática, passamos a dispor sobre as principais dúvidas que exsurgem na aplicação das normas que regem o ANPP.

 

III. Da implementação do ANPP

 

De início, cabe pontuar que algumas questões atinentes ao alcance da regra do art. 28-A do CPP já foram razoavelmente pacificadas na jurisprudência dos Tribunais Superiores, e esta Nota Técnica tem como premissa a adoção dos referidos entendimentos jurisprudenciais. É o que ocorre em relação à palpitante controvérsia doutrinária acerca da natureza penal ou processual da norma em apreço e da sua eventual aplicação retroativa.

 

Sobre o tema, assim decidiu o Supremo Tribunal Federal, em recente acórdão:

 

EMENTA: Direito penal e processual penal. Agravo regimental em habeas corpus. Acordo de não persecução penal (art. 28-A do CPP). Retroatividade até o recebimento da denúncia. 1. A Lei nº 13.964/2019, no ponto em que institui o acordo de não persecução penal (ANPP), é considerada lei penal de natureza híbrida, admitindo conformação entre a retroatividade penal benéfica e o tempus regit actum. 2. O ANPP se esgota na etapa pré-processual, sobretudo porque a consequência da sua recusa, sua não homologação ou seu descumprimento é inaugurar a fase de oferecimento e de recebimento da denúncia. 3. O recebimento da denúncia encerra a etapa pré-processual, devendo ser considerados válidos os atos praticados em conformidade com a lei então vigente. Dessa forma, a retroatividade penal benéfica incide para permitir que o ANPP seja viabilizado a fatos anteriores à Lei nº 13.964/2019, desde que não recebida a denúncia. 4. Na hipótese concreta, ao tempo da entrada em vigor da Lei nº 13.964/2019, havia sentença penal condenatória e sua confirmação em sede recursal, o que inviabiliza restaurar fase da persecução penal já encerrada para admitir-se o ANPP. 5. Agravo regimental a que se nega provimento com a fixação da seguinte tese: "o acordo de não persecução penal (ANPP) aplica-se a fatos ocorridos antes da Lei nº 13.964/2019, desde que não recebida a denúncia".

 

(HC 191464 AgR, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 11/11/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-280 DIVULG 25-11-2020 PUBLIC 26-11-2020) (g.n.)

 

Perfilhando o entendimento cristalizado nesse precedente, a presente Nota Técnica limitar-se-á a dispor sobre os procedimentos a serem adotados para formalização de ANPP's antes do recebimento da denúncia pelo juízo criminal.

 

Da atuação do Ministério Público Federal.

 

Uma moderna compreensão sobre o papel do Ministério Público, à luz da Constituição Federal de 1988, reclama da Instituição uma postura cada vez mais resolutiva, em vez de demandista, evitando transferir ao Poder Judiciário a solução dos mais variados casos penais, indistintamente, sem uma reflexão político-criminal.

 

Tal perfil resolutivo impõe ao órgão uma atuação estratégica no plano extrajudicial, especialmente na qualidade de agente pacificador dos conflitos sociais.

 

Neste toar, antes mesmo do advento da Lei Anticrime (Lei n.º 13.964/2019), o ANPP encontrava-se previsto no artigo 18 da Resolução n.º 181/2017 do Conselho Nacional do Ministério Público (posteriormente modificada pela Resolução n.º 183/2018, também do CNMP).

 

Não obstante a nova lei tenha promovido algumas alterações na sistemática do acordo, além de afastar questionamentos sobre sua constitucionalidade formal, a aludida Resolução pode e deve ser usada para nortear a definição dos atos de incumbência do MP no bojo de procedimentos criminais em que seja cabível a formulação de ANPP.

 

Assim é que os termos da Resolução em apreço permitem inferir concepção do instituto que pressupõe que a proposta e as tratativas para a celebração ocorram em âmbito extrajudicial.

 

Passando-se à análise do instituto tal qual positivado no Código de Processo Penal, não se alcança conclusão diferente, em especial tendo em vista os objetivos e as finalidades do ANPP, já decantados.

 

Ora, se o legislador pretendesse que a proposta e as negociações fossem, via de regra, intermediadas pelo juízo, mitigar-se-ia a consecução de um dos objetivos primordiais da inovação legal, qual seja, o de desafogar a máquina do Judiciário.

 

A interpretação contextual e teleológica das disposições do art. 28-A indicam, ainda que à míngua de determinações claras sobre as questões procedimentais, que cabe ao membro do Ministério Público promover diretamente o contato com o investigado e com o seu defensor para propor e negociar as condições do acordo, bem como colher a confissão formal e material do acordante.

 

Feito tudo isso, o termo de acordo é levado a juízo para simples homologação, mediante a verificação da sua legalidade e voluntariedade. Não é outra coisa o que se infere dos §§2º, 3º e 4º do art. 18 da precitada Resolução do CNMP. Senão vejamos:

 

§ 2º A confissão detalhada dos fatos e as tratativas do acordo serão registrados pelos meios ou recursos de gravação audiovisual, destinados a obter maior fidelidade das informações, e o investigado deve estar sempre acompanhado de seu defensor. (Redação dada pela Resolução n° 183, de 24 de janeiro de 2018)

 

§ 3º O acordo será formalizado nos autos, com a qualificação completa do investigado e estipulará de modo claro as suas condições, eventuais valores a serem restituídos e as datas para cumprimento, e será firmado pelo membro do Ministério Público, pelo investigado e seu defensor. (Redação dada pela Resolução n° 183, de 24 de janeiro de 2018)

 

§ 4º Realizado o acordo, a vítima será comunicada por qualquer meio idôneo, e os autos serão submetidos à apreciação judicial. (Redação dada pela Resolução n° 183, de 24 de janeiro de 2018)

 

Analisando o conteúdo e a ordem em que se sucedem os dispositivos acima transcritos, deduz-se que o ANPP deveria vir a juízo já formalizado e após colhida a confissão do acusado. É oportuno notar que a positivação em hierarquia legal não pretendeu alterar essa sistemática, à vista do quanto dispõem os §§ 3 e 4 do art. 28-A do CPP, que abaixo se transcrevem:

 

§ 3º O acordo de não persecução penal será formalizado por escrito e será firmado pelo membro do Ministério Público, pelo investigado e por seu defensor.     (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

 

§ 4º Para a homologação do acordo de não persecução penal, será realizada audiência na qual o juiz deverá verificar a sua voluntariedade, por meio da oitiva do investigado na presença do seu defensor, e sua legalidade.  (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

 

§ 5º Se o juiz considerar inadequadas, insuficientes ou abusivas as condições dispostas no acordo de não persecução penal, devolverá os autos ao Ministério Público para que seja reformulada a proposta de acordo, com concordância do investigado e seu defensor.    (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

 

A despeito de tais conclusões sobre as incumbências do Ministério Público na propositura, negociação e formalização do acordo, não é incomum que os magistrados observem o oferecimento de denúncia acerca de fatos que, em tese, permitiriam a celebração de ANPP, sem que o membro do Parquet oficiante se tenha manifestado sobre seu cabimento.

 

Em outros casos, o membro do MPF manifesta a intenção de firmar ANPP, todavia requer que o juízo intime o acusado para que o oferecimento da proposta e as negociações ocorram em audiência judicial.

 

Como deve o magistrado proceder diante de tais posturas? É do que trataremos no tópico subsequente.

 

Da atuação do Magistrado.

 

Como já foi aventado, por se cuidar de uma medida despenalizadora de natureza consensual, entende-se que as origens e as finalidades do ANPP determinam atuação judicial limitada ao ato de homologação do acordo, a ocorrer somente depois que o pacto já houver sido formalizado em âmbito extrajudicial.

 

Todavia, caso lhe seja oferecida denúncia relativa a fato que reúne os requisitos objetivos para a oferta do ANPP, pensamos que não pode o magistrado se omitir, sob pena de se furtar ao dever que lhe incumbe de fazer valerem as garantias processuais dos acusados.

 

Sem o controle judicial, abrir-se-ia brecha para um uso arbitrário do instrumento pelo Ministério Público, em violação à isonomia entre os jurisdicionados, permitindo-se que acusados por fatos idênticos recebessem tratamento distinto, no que toca à oportunidade de aderir à medida despenalizadora.

 

Embora condições subjetivas possam vedar o acesso de certo agente ao benefício, discriminação de tal ordem somente deve ocorrer mediante motivação e com base em critérios previstos em lei, razão pela qual, sempre que presentes os requisitos objetivos para oferta de ANPP, o membro do Ministério Público há que se manifestar nos autos, de forma expressa, acerca da aplicação do instituto, seja para ofertar o acordo, seja para justificar, com base na lei, o seu descabimento.

 

Com efeito, entende-se que, em hipóteses tais, há direito subjetivo do investigado, senão à oferta do ANPP, ao menos a uma justificativa detalhada, até para que avalie a pertinência de requerer a remessa dos autos às Câmaras de Coordenação e Revisão, como lhe é facultado pelo § 14 do art. 28-A.

 

Neste cenário, ao magistrado, resta a incumbência de provocar o membro do MP para manifestar-se expressamente sobre o eventual cabimento do ANPP, sempre que, apresentada denúncia relativa a fato que reúne os requisitos objetivos para a oferta do acordo, a justificativa para a inaplicabilidade da medida não seja concomitantemente apresentada. Por evidente, o magistrado não deve, nesses casos, proceder à análise do recebimento da peça acusatória antes de suprida a omissão ministerial.

 

Oportuno ressaltar a existência não apenas de requisitos objetivos (tratar-se de crime com pena mínima inferior a 4 anos e praticado sem violência ou grave ameaça), mas também dos chamados requisitos negativos, que consistem nas situações previstas nos incisos do §2º do art. 28-A, cuja presença impede de forma peremptória o oferecimento do acordo.

 

Assim, por exemplo, é possível que, a despeito da pequena lesividade do delito denunciado, a ausência da proposta decorra de ser o acusado um delinquente contumaz. Em casos tais, contudo, o Ministério Público não está dispensado de motivar expressamente a inaplicabilidade do instituto por ocasião do oferecimento da denúncia, o que deve ser feito, inclusive, mediante a juntada dos elementos que evidenciem a contumácia ou reiteração delitiva (registros de inquéritos, ações penais, representações fiscais para fins penais etc)

 

Nesta senda, vale incursionar sobre a relativa discricionariedade de que possa dispor o membro do MP quanto à oferta do acordo. Isso porque, a par dos requisitos objetivos e negativos acima delineados, a lei proporciona ao titular da ação penal alguma margem para avaliação subjetiva, ao dispor que o MP "poderá" propor acordo de não persecução penal, "desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime" (caput do art. 28-A do CPP).

 

A doutrina, com razão, inquieta-se com a ampla discricionariedade que se possa invocar a partir da vagueza da redação legal.

 

Sem abordar os questionamentos sobre o grau de amplitude proporcionado pela norma, o que desbordaria dos objetivos desta Nota Técnica, é indispensável pontuar que, mesmo quando a ausência de oferta do ANPP decorra deste requisito subjetivo, cabe ao membro do MP justificar, de modo específico, porque entende, em dado caso concreto, que a adoção da medida despenalizadora não seria suficiente para a reprovação e a prevenção do crime.

 

Se o membro do MP apresentar motivação genérica, limitando-se a citar os temos legais, deve o magistrado instá-lo a complementá-la e a apontar as circunstâncias do caso concreto que motivam a conclusão pela ineficiência da medida, providência que homenageia o dever de informação, inerente ao contraditório.

 

Contudo, uma vez apresentada a justificativa específica mediante a qual o membro do Parquet avalia a insuficiência da medida para a reprovação e a prevenção do crime, não caberá ao juiz imiscuir-se neste mérito.

 

Note-se que o §5º do art. 28-A confere ao magistrado atribuição para avaliar a adequação e suficiência das condições estabelecidas no acordo, que é coisa distinta de avaliar a suficiência do ANPP em si. A atribuição do §5º, portanto, há que ser exercida quando o acordo firmado vier para a homologação -- o que, ainda assim, entende-se, deve ser feito com grande comedimento, cingindo-se o juiz a intervir nos casos extremos.

 

De outra banda, quando o MP decidir por não propor acordo, avaliando e justificando a insuficiência da própria medida em si, cabe ao juiz acatar a justificativa apresentada e proceder à análise da denúncia oferecida, salvo quando a defesa se valer do recurso do § 14 do art. 28-A.

 

Por fim, cabe aventar a possibilidade de que, provocado a manifestar-se sobre o cabimento de ANPP, o membro do MP resolva então oferecer o acordo. Neste caso, pensamos que a intenção de oferta deve ser registrada nos autos, pontuando-se que a eventual aceitação pelo acusado impede a análise da exordial anteriormente ofertada ao juízo. Não obstante, os autos devem ser sobrestados e devolvidos ao MP para adoção das providências tendentes a comunicar o acusado sobre a proposta de acordo, bem como proceder às tratativas negociais, à coleta da confissão e à formalização do termo de acordo, se for o caso.

 

Com efeito, seja a oferta do ANPP anterior ou posterior ao oferecimento da denúncia, entende-se que cabe ao MPF, pelas razões já expostas, levar a efeito esses procedimentos, eximindo-se o juízo de praticar quaisquer atos alusivos às negociações e formalização dos termos do acordo, limitando-se a realizar a audiência de homologação. A abstenção do magistrado nesta fase é crucial até para evitar que a conduta do investigado no bojo das negociações possa interferir na formação do seu convencimento quando, frustrada a tentativa de acordo, venha a ser oferecida denúncia.

 

Reitere-se, todavia, que a eventual omissão do órgão ministerial em assumir tais atribuições não pode prejudicar o jurisdicionado.

 

Feitas essas ponderações, a nossa proposta visa ao alinhamento sobre a divisão de atribuições entre os sujeitos processuais, por intermédio do diálogo interinstitucional, na forma detalhada em tópico que reúne as proposições finais desta Nota Técnica.

 

Da defesa técnica.

 

A lei exige que o investigado esteja acompanhado por defensor técnico, desde as tratativas para a formalização do ANPP até a sua assinatura, bem como durante a audiência de homologação. É o que consta expressamente dos dispositivos do art. 28-A, abaixo transcritos, com destaques nossos:

 

§ 3º O acordo de não persecução penal será formalizado por escrito e será firmado pelo membro do Ministério Público, pelo investigado e por seu defensor. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

 

§ 4º Para a homologação do acordo de não persecução penal, será realizada audiência na qual o juiz deverá verificar a sua voluntariedade, por meio da oitiva do investigado na presença do seu defensor, e sua legalidade.  (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

 

§ 5º Se o juiz considerar inadequadas, insuficientes ou abusivas as condições dispostas no acordo de não persecução penal, devolverá os autos ao Ministério Público para que seja reformulada a proposta de acordo, com concordância do investigado e seu defensor.    (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

 

O cumprimento da exigência legal não encontra maiores óbices quando o investigado possui advogado constituído. Todavia, caso não o tenha e nem disponha de condições financeiras para tanto, o próprio órgão do MPF proponente deve orientá-lo a procurar a Defensoria Pública da União, quando da notificação sobre a proposta de acordo.

 

Dificuldade ocorre quando se atua em localidade não assistida pela DPU, a exemplo de todas as subseções do interior do Mato Grosso do Sul, onde os acusados hipossuficientes dependem da nomeação de defensor dativo. A situação é inusitada porque a proposta de acordo tem lugar antes do ajuizamento de ação penal, quando, via de regra, ainda não houve ocasião para a nomeação do dativo.

 

Nessas circunstâncias, como devem os sujeitos do processo procederem para assegurar o direito do investigado?

 

Pois bem, em geral, antes mesmo do recebimento da denúncia, os fatos supostamente típicos já dão origem a autos de prisão em flagrante, de inquérito policial ou de pedidos de medidas cautelares que tramitam na unidade jurisdicional competente para o processamento da futura ação penal.

 

Nos casos de prisão em flagrante, é oportuno que o membro do Ministério Público manifeste já na ocasião da audiência de custódia a intenção de apresentar a proposta de ANPP. Neste caso, o magistrado pode, no mesmo ato, nomear o advogado que atuou como defensor dativo na custódia para que acompanhe o investigado na formalização e na homologação do ANPP que venha a ser firmado.

 

Não havendo flagrante ou em qualquer outra situação em que não tenha lugar a audiência de custódia, nada impede que o próprio Ministério Público peticione nos autos do inquérito para que o magistrado nomeie defensor dativo.

 

Trata-se, portanto, de questão de simples solução, que não deve constituir empecilho para a implementação da medida despenalizadora.

 

Da audiência de homologação

 

Superadas as etapas de apresentação da proposta, de negociação das condições e de formalização do ANPP, tem lugar a audiência judicial para homologação do acordo, nos termos do §4º do art. 28-A.

 

Como já pontuamos alhures, entende-se que este ato deve servir exclusivamente para que se verifique a legalidade do ajuste, bem como a voluntariedade da adesão ao acordo, por meio da oitiva do investigado na presença de seu defensor.

 

A esta altura, mesmo a confissão do acusado já deverá ter sido colhida pelo Ministério Público e constar inclusa nos autos, gravada em mídia digital.

 

Em tal cenário, faz-se inteiramente dispensável a presença do membro do Ministério Público ao ato, reiterando-se, contudo, a exigência de que estejam presentes o investigado/acordante e o seu defensor.

 

Visando à uniformização dos procedimentos atinentes a esta audiência, incluímos no anexo I da presente Nota Técnica um roteiro para orientar os magistrados na condução do ato, atentando para tudo o que deve ser dito, a fim de que o acordante esteja ciente sobre a natureza do instituto, as condições do acordo e as consequências de eventual descumprimento, e assim o juiz possa certificar-se de que sua vontade foi manifestada de maneira informada e consciente.

 

Sobre a verificação da legalidade do acordo, pensamos que o juiz deve ater-se a averiguar a presença dos requisitos objetivos, isto é, se o tipo legal ao qual se adequa, em tese, a conduta do investigado constitui crime praticado sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a quatro anos.

 

Para aferir a pena mínima cominada ao delito, serão consideradas, por expressa determinação do §1º do art.28-A, as causas de aumento e diminuição aplicáveis ao caso concreto. Em se tratando de majorantes ou minorantes que não estabeleçam uma fração fixa de aumento ou diminuição, entende-se que a fração aplicável deve ser a que mais favorece ao imputado, isto é, a que mais diminua a pena mínima em abstrato ou a que menos a aumente.

 

III. PROPOSIÇÕES

 

Em face de todo o exposto, sugere-se: Que seja promovido o diálogo interinstitucional entre os órgãos diretivos deste Tribunal Regional Federal da 3ª Região e os dirigentes do Ministério Público Federal em São Paulo e em Mato Grosso do Sul, com vistas à edição de um ato normativo conjunto para regulamentação dos procedimentos tendentes à formalização do Acordo de Não Persecução Penal, estabelecendo as providências que incumbem a cada sujeito processual, nos moldes delineados no corpo da presente Nota Técnica.

 

Sem prejuízo, que os magistrados de 1ª instância adotem, desde já, nas respectivas unidades jurisdicionais, mediante entendimento com os órgãos do Ministério Público que perante eles oficiam, os entendimentos e o fluxo de procedimentos delineados na presente Nota Técnica.

 

Tais proposições têm o condão de viabilizar e uniformizar os procedimentos para aplicação do novel instituto do art. 28-A do CPP, de modo que os objetivos de promover a celeridade e desafogar a máquina judicial sejam satisfatoriamente atendidos, sem prejuízo das garantias processuais e da isonomia entre os jurisdicionados.

 

IV. ENCAMINHAMENTOS

 

Em face da existência de oficina promovida pelo Laboratório de Inovação do TRF3 (Processo SEI 0132813-90.2021.4.03.8000) cujo objeto é semelhante ao desta Nota Técnica, encaminhe-se cópia ao referido grupo de trabalho, a fim de que, a critério de seus membros, possa ser utilizada como subsídio para o trabalho ali desenvolvido.

 

Encaminhe-se cópia, ainda, ao Centro de Inteligência da Justiça Federal em São Paulo, para que, conforme tratativas já promovidas junto aos respectivos membros, avalie-se a conveniência e oportunidade de endossarem esta Nota Técnica, realizando os aditamentos ou alterações que julgarem necessários para acudir também às dificuldades porventura enfrentadas pelos magistrados daquela Seção Judiciária na implementação do instituto ora tratado.

 

Publique-se.

 

ANEXO I. Roteiro para audiência de homologação de ANPP

 

O magistrado declara aberta a audiência, para fins do §4º do art. 28-A, anunciando o nome do acordante, o número dos autos do processo e os fatos a que se refere (indicando dia, hora e local).

Esclarece-se que o ato em questão tem a exclusiva finalidade de averiguar a legalidade do ANPP já firmado entre o acordante e o MPF, cujo termo consta dos autos, bem como verificar se a adesão ao acordo se deu de forma voluntária, o que ora é feito pela oitiva do acordante na presença do seu defensor.

 

Explica-se que o ANPP consiste em medida despenalizadora de natureza autocompositiva e que, cumpridos as condições pactuadas no acordo, haverá a declaração de extinção da punibilidade do investigado quanto aos fatos de que trata o processo, advertindo que, se tais condições forem descumpridas, a denúncia será ofertada e a ação penal poderá ter seguimento.

Feitos esses esclarecimentos, o juiz deve ler as condições pactuadas, constantes do termo de acordo e questionar se o acordante a elas aderiu de modo informado e consciente.

 

Confirmada a voluntariedade do acordante, o juiz faz as pertinentes pontuações sobre a legalidade do acordo, aduzindo que o delito, em tese, imputado ao acusado constitui crime cometido sem violência ou grave ameaça e com pena mínima, em abstrato, inferior a quatro anos. Verifica ainda o cumprimento do requisito atinente à confissão formal e material, pela juntada da mídia digital aos autos.

 

Após tais providência, o magistrado declara homologado o ANPP firmado entre as partes e formalizado em termo juntado aos autos.

 

Devolvem-se os autos ao MPF para que promova o cumprimento junto à vara de execuções penais.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

 

MESSIAS, Mauro. Acordo de Não Persecução Penal: Teoria e Prática. Edição do Kindle.

[1] MESSIAS, Mauro. Acordo de Não Persecução Penal: Teoria e Prática. Edição do Kindle, p. 17.

[2] Idem.

[3] "O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), indeferiu o Habeas Corpus coletivo (HC 195807) impetrado pelo Instituto de Garantias Penais (IGP) contra a decisão do presidente do STF, ministro Luiz Fux, que suspendeu a vigência de normas do Pacote Anticrime (Lei 13.964/2019), entre elas a que institui o juiz de garantias. [...] A decisão do ministro Fux foi tomada, em janeiro de 2020, nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 6298, 6299, 6300 e 6305, de sua relatoria". Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=459934, acesso em 17.03.2021.

 

Documento assinado eletronicamente por Julia Cavalcante Silva Barbosa, Juiz Federal, em 14/04/2021, às 19:59, conforme art. 1º, III, "b", da Lei 11.419/2006.

 

Esse texto não substitui o publicado no Diário Eletrônico

 

Nota Técnica - Centros de Inteligência da Justiça Federal