Nota Técnica 22 (CIn)/2019

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31/05/2019

Gratuidade Judiciária: critérios e impactos da concessão

Nota Técnica 22/2019 Brasília, 31 de maio de 2019. Assunto: Gratuidade Judiciária: critérios e impactos da concessão. Relatores: Juízas Federais Taís Schilling Ferraz e Vânila Cardoso Moraes Gratuidade Judiciária. Critérios de concessão no âmbito da Justiça Federal e do Superior...
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Nota Técnica 22/2019

 

Brasília, 31 de maio de 2019.

 

Assunto: Gratuidade Judiciária: critérios e impactos da concessão.

 

Relatores: Juízas Federais Taís Schilling Ferraz e Vânila Cardoso Moraes

 

Gratuidade Judiciária. Critérios de concessão no âmbito da Justiça Federal e do Superior Tribunal de Justiça. Impactos orçamentários e sobre a prestação dos serviços judiciários.

Proposição de medidas para o aperfeiçoamento da gestão do instituto. Alternativas de interpretação. Possível afetação do tema para formação de precedente. Custas judiciais. Criação do Fundo Especial da Justiça Federal. -

1 RELATÓRIO

 

O Centro Nacional de Inteligência da Justiça Federal, estruturado nos termos da Resolução n. 499/2018, junto ao Conselho da Justiça Federal - CJF, no exercício da função descrita no art. 2º, inciso I, a e d e inciso II, a e b, da referida Resolução, visando contribuir para aprimorar o funcionamento do Poder Judiciário, por meio de medidas que permitam a redução da judicialização e racionalização de procedimentos, vem propor nota técnica tendo por base os critérios e os impactos da concessão da gratuidade judiciária no âmbito da Justiça Federal, com sugestões para o aperfeiçoamento das ações relacionadas ao instituto e para a redução dos respectivos impactos sobre o orçamento e a litigiosidade.

Registra-se, desde logo, que o tema gratuidade judiciária tem sido objeto de diversos estudos pelos Centros Locais de Inteligência da Justiça Federal, com a elaboração de notas técnicas pelos Centros Locais de Inteligência de Santa Catarina (CLISC), do Rio Grande do Norte (CLIRN), do Mato Grosso do Sul (CLIMS) e de São Paulo (CLISP). A nota técnica do CLIRN identifica os dissensos na adoção de critérios para a concessão da gratuidade e propõe que o tema seja objeto de análise neste Centro Nacional, além de debates internos entre os magistrados na busca de alinhamentos.

As notas técnicas do CLISP e do CLIMS, a par de proporem um amplo debate entre os magistrados sobre o tema e os seus impactos na prestação da justiça, sugeriram a respectiva afetação, com vistas à eventual formação de precedente vinculante.

A nota técnica do CLISC tratou especificamente das despesas incorridas com o pagamento de honorários a defensores dativos, que vêm sendo arbitrados em valores muito superiores aos previstos na Resolução n. 305/2014 do Conselho da Justiça Federal, tendo sido solicitada a avaliação por este Centro Nacional da eventual conveniência de levar ao conhecimento dos Ministros do Superior Tribunal de Justiça algumas informações quanto aos antecedentes das nomeações dos defensores dativos e quanto aos impactos das decisões de arbitramento, uma vez que a questão já está submetida a julgamento no regime de recursos repetitivos (Tema 984). -

2 JUSTIFICATIVA

 

A concessão da gratuidade judiciária no âmbito do Poder Judiciário sempre consistiu em importante instrumento de implementação do acesso à Justiça.

A obtenção do benefício isenta o requerente hipossuficiente economicamente do pagamento de despesas processuais (exceto multas), inclusive honorários advocatícios e perícias.

Na Justiça Federal de primeiro e segundo graus, é bastante expressiva a proporção de concessões de gratuidade da justiça nos processos em tramitação, sendo que o maior percentual está concentrado nas ações dos juizados especiais.

Para além da garantia do direito de acesso ao Poder Judiciário, a concessão em grande quantidade do benefício da gratuidade da justiça produz importantes efeitos sobre a litigiosidade de massa, e vem configurando, em muitos casos, espécie de convite ao ajuizamento de demandas sem qualquer necessidade de análise de custo-benefício ao requerente, que percebe, assim como os advogados, que tentar a sorte na Justiça, ainda que com demandas temerárias, pode ser um bom negócio, já que os riscos da eventual litigância infundada são baixos. Trata-se de riscos cujos ônus são transferidos ao Poder Judiciário e, em última análise, à própria sociedade, seja em razão dos custos que decorrem da dispensa de pagamento de despesas processuais, seja em razão da proliferação de ações judiciais, sendo importante identificar possíveis efeitos concretos que vêm decorrendo da aplicação da norma, muitas vezes imperceptíveis e não desejados pela lei garantidora do direito à gratuidade.

Contribuem para este quadro algumas circunstâncias que estão sob o controle do próprio Poder Judiciário, como as muitas e diferentes definições de critérios objetivos para a concessão do direito à gratuidade, e a variação nas espécies de despesas ordinárias ou extraordinárias realizadas pelos beneficiários, para a identificação da respectiva insuficiência financeira, fatores que mereceriam ser considerados no confronto com o custeio da atividade jurisdicional e o custeio dos riscos de eventual litigância infundada.

A circunstância de ter a lei processual fixado como presumidamente verdadeira a declaração de insuficiência econômica, firmada pelo requerente ou por seu advogado como condição para a obtenção do benefício, historicamente facilitou a concessão da assistência judiciária gratuita, na medida em que inverte o ônus da prova da alegação, exigindo da parte contrária a demonstração de que o pressuposto da necessidade não se faz presente em cada caso.

Por outro lado, a recente modificação legislativa que assegura aos procuradores dos entes públicos o direito a honorários advocatícios de sucumbência trouxe novo comportamento aos processos, estimulando os representantes do Estado e de suas autarquias a questionarem a existência dos pressupostos para a obtenção da assistência judiciária, uma vez que, em caso de serem os entes públicos vencedores nas demandas, haverá pagamento de honorários de sucumbência.

A superveniência da modificação na legislação trabalhista, a criar um limitador objetivo de renda para a concessão do benefício da gratuidade judiciária, também introduz novas perspectivas ao debate.

Esses fatos vêm contribuindo para a construção de novos e variados critérios para a avaliação da insuficiência econômica com vistas à assistência judiciária gratuita, gerando ainda maior dispersão da jurisprudência sobre o tema.

As custas devidas no âmbito da Justiça Federal são reconhecidamente módicas e não sofrem qualquer atualização desde o ano 2000. Seus baixos valores parecem desestimular, também, entre os magistrados, um maior controle sobre as condições para a obtenção da gratuidade da justiça e um maior controle sobre o valor da causa.

Nesse contexto, insere-se esta nota técnica, por meio da qual se procurará trazer ao conhecimento e promover o compartilhamento de informações sobre critérios e impactos da concessão da gratuidade judiciária no Poder Judiciário Federal, com vistas a uma mais ampla compreensão dos efeitos do uso intenso do instituto e à proposição de eventuais medidas que contribuam para o seu uso mais racional, previsível e com menores impactos sobre o custeio da prestação dos serviços judiciários. -

3 FUNDAMENTAÇÃO

 

3.1 Marco legal

A assistência judiciária gratuita vinha integralmente regulada pela Lei n. 1.060/1950, que definia os pressupostos para a respectiva concessão.

O art. 1º da referida lei estabelecia que os nacionais ou estrangeiros aqui residentes que necessitassem recorrer à Justiça, penal, civil, militar ou do trabalho, gozariam do benefício da assistência judiciária, se necessitados. E considerava-se necessitado todo aquele cuja situação econômica não lhe permitisse pagar as custas do processo e os honorários do advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou da família.

Desde então, o eventual beneficiário da assistência judiciária gratuita estaria isento de despesas com taxas judiciárias, custas, emolumentos, publicações, indenizações a testemunhas, honorários de advogados e peritos, exame de DNA, depósitos recursais ou para o ajuizamento de ações ou outras despesas necessárias à prática de atos processuais relativos à ampla defesa e ao contraditório (art. 3º).

Importante norma pertinente ao exercício deste direito estava prevista no art. 4º da referida lei, cujo §1º, na redação vigente desde 1986 (dada pela Lei n. 7.510), estabelecia que se presume pobre, até prova em contrário, quem afirmar essa condição nos termos dessa lei, sob pena de pagamento até o décuplo das custas processuais. A redação original, porém, exigia do requerente a apresentação do chamado "atestado de pobreza", que era emitido pela

autoridade policial ou prefeito e que poderia ser substituído por prova de que o requerente não recebia salário igual ou inferior ao dobro do mínimo regional.

Com a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil, diversos dispositivos da Lei n. 1.060/50 foram revogados, e passaram a ter vigência as normas da Seção IV, da lei processual, que dispõem sobre a gratuidade da justiça.

Não houve modificação substancial do cenário da Lei n. 1.060/50. O novo CPC previu expressamente a possibilidade de a pessoa jurídica ser também beneficiária da gratuidade, submetendo-a, porém, à necessidade de prova.

Além de tornar mais específicas as despesas compreendidas na gratuidade da justiça, o CPC a elas agregou o custo com a elaboração de memória de cálculo, quando necessária para instruir a execução e as despesas com notários e registradores, relacionadas ao processo no qual o benefício da gratuidade tenha sido concedido (§1º do art. 98). A nova lei tornou claro que a concessão não afasta a responsabilidade pelo pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, que, porém, ficarão com exigibilidade suspensa, podendo ser executadas se, no prazo de 5 anos após o trânsito em julgado, o credor demonstrar que deixaram de existir as condições ensejadoras da concessão da gratuidade (§2º e §3º do art. 98). Estabeleceu, também, que multas impostas ao beneficiário não são alcançadas pelo benefício, cabendo seu pagamento ao final (§4º do art. 98). Outra importante modificação foi a previsão da gratuidade parcial, antes só admitida para fins de pagamento de custas. Agora, pode haver concessão em relação a algum ou a todos os atos processuais, ou consistir o benefício na redução percentual de despesas processuais que o beneficiário tiver que adiantar. Cabível, também, o parcelamento de despesas (§5º e §6º do art. 98).

Previu-se, também, que o pedido de gratuidade pode ser feito ao longo do processo, mediante simples petição (art. 99 e §1º), que o direito é pessoal, e que se eventual recurso versar apenas sobre honorários do advogado, estará sujeito a preparo, salvo se o próprio advogado demonstrar que tem direito à gratuidade.

Quanto à comprovação das condições para o gozo do benefício, o novo CPC estabeleceu:

-  que a assistência por advogado particular não obsta a gratuidade da justiça;

- que se presume verdadeira a alegação de insuficiência deduzida por pessoa natural,

- que o juiz só poderá indeferir o pedido se houver nos autos elementos que evidenciem a falta dos pressupostos legais para a concessão de gratuidade. Antes, porém, deverá determinar à parte a comprovação do preenchimento dos referidos pressupostos.

A lei processual traz outras normas sobre a gratuidade judiciária, nos artigos 100 e 102, dentre as quais estão as consequências em caso de revogação do benefício.

A forma de demonstração da condição de necessitado, para fins de obtenção da gratuidade, relativamente à pessoa natural, não sofreu mudanças. É bastante a "declaração de insuficiência" firmada pelo requerente.

O potencial beneficiário da gratuidade judiciária, porém, sofreu sutil modificação no novo texto. A lei anterior definia como necessitado "aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado sem prejuízo do sustento próprio ou da família". O novo CPC não mais usa o termo necessitado, nem fala em prejuízo ao sustento. Define o beneficiário como a pessoa (agora natural e jurídica) "com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios". Necessidade "que a lei vinculava à capacidade de sustento" e insuficiência de recursos não remetem necessariamente ao mesmo conteúdo semântico.

Quanto ao custeio das despesas com a prestação jurisdicional aos beneficiários da gratuidade, no âmbito da Justiça Federal, ele sempre foi suportado, em parte, pelo próprio Poder Judiciário e, em parte, pelos advogados que voluntariamente assumem o encargo sob a forma de contrato de risco, admitindo nada receber se seus assistidos resultem vencidos. Os advogados dativos e peritos têm seus honorários pagos pelo Poder Público.

este respeito, o Conselho da Justiça Federal há muitos anos definiu por Resolução as normas para o pagamento de honorários a defensores dativos e peritos, definindo valores a serem executados para esta finalidade. O último normativo expedido foi a Resolução n. 305/2015, que dispõe sobre o cadastro, a nomeação de profissionais e o pagamento de honorários a advogados dativos, curadores, peritos, tradutores e intérpretes em casos de assistência judiciária gratuita no âmbito da Justiça Federal e da jurisdição federal delegada.

"Sobre as despesas com perícias, que vinham sendo suportadas integralmente com recursos do orçamento da Justiça Federal, este Centro Nacional de Inteligência já aprovou a Nota Técnica 6/2018, documento no qual foram apresentados dados sobre a execução orçamentária da Justiça Federal e sobre os impactos decorrentes do aumento vertiginoso da despesa com perícias em todo o Brasil, e das dificuldades de prever os impactos futuros deste

gasto" o qual, em função da Emenda 95/2016, estaria limitado a um teto e não mais comportaria suplementação. Com o desdobramento das diversas ações implementadas após a aprovação da nota técnica, em especial das reuniões realizadas com o Ministério do Planejamento, foi editada, no ano de 2018, a Medida Provisória n. 854, prevendo a antecipação do pagamento pelo Poder Executivo das despesas com pagamento de honorários a peritos médicos em ações previdenciárias que tramitem nos juizados especiais federais. A solução encontrada tem forte impacto orçamentário, uma vez que a maior parte das perícias realizadas no âmbito da assistência judiciária gratuita na Justiça Federal concentram-se em ações previdenciárias que tramitam nos juizados especiais federais.

Importante ter presente, porém, que a referida Medida Provisória perdeu sua validade e não foi reeditada. Ademais, o ato normativo não contempla a totalidade das despesas com perícia, que correm por conta do orçamento da Justiça Federal, inclusive quando realizadas no âmbito da competência delegada.

Merece referência, ainda, a recente aprovação de alteração na Consolidação das Leis do Trabalho, em decorrência da Reforma Trabalhista.

O § 3º do art. 790 da CLT, na redação dada pela Lei n. 13.467/2017 agora estabelece critério objetivo para a concessão da gratuidade da justiça:

"É facultado aos juízes, órgãos julgadores e presidentes dos tribunais do trabalho de qualquer instância conceder, a requerimento ou de ofício, o benefício da justiça gratuita, inclusive quanto a traslados e instrumentos, àqueles que perceberem salário igual ou inferior a 40% (quarenta por cento) do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social."

O critério adotado parece ser mais restritivo do que a grande parte dos parâmetros que vêm sendo aplicados pelos tribunais para a avaliação do direito ao benefício, seja na Justiça Federal, seja na Justiça dos Estados.

A CLT ainda prevê que a parte beneficiária da gratuidade judiciária poderá ser chamada a pagar honorários de sucumbência se no próprio processo ou em outro feito tiver obtido crédito capaz de suportar a despesa (§4º do art. 791-A). Estabelece, também, que a responsabilidade pelo pagamento dos honorários periciais é da parte sucumbente na pretensão objeto da perícia, ainda que beneficiária da justiça gratuita (art. 790-B). 3.2 A interpretação dos tribunais

Para os efeitos do presente estudo, foram colhidos julgamentos nos Tribunais Regionais Federais e no Superior Tribunal de Justiça. As decisões dos TRFs referem-se aos últimos dois anos. Procurou-se trazer os entendimentos que vêm sendo adotados já na vigência do novo Código de Processo Civil. Efeitos da declaração de insuficiência de recursos:

Não é a declaração pessoal do interessado que assegura o direito à gratuidade de justiça. Ela não é bastante em si. O que assegura o benefício é a condição real daquele que pretende a gratuidade, aferível pela documentação apresentada aos autos, ou mesmo pela qualificação da parte. São elementos que podem indicar a capacidade de pagamento das custas e mais despesas processuais (TRF1,0031973-65.2015.4.01.3400, Rel. Des. Jamil Oliveira).

Para a concessão da assistência judiciária gratuita, basta a afirmação e hipossuficiência da parte, a qual gera presunção relativa, que só se desfaz mediante prova inequívoca em sentido contrário, o que não aconteceu na hipótese dos autos. Inteligência do CPC, art. 99, §§ 2º e 3º (TRF1, 0001819 58.2006.4.01.3601, Rel. Des. Ney Bello). Malgrado disponha o art. 4° da Lei n. 1.060/50 que basta a simples afirmação de pobreza para que a gratuidade judiciária seja concedida, a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, o seu art. 5º, inciso LXXIV, sugere que há necessidade de comprovação da insuficiência de recursos, tendo o Juiz o poder dever de investigar a real necessidade da parte, como já decidiu a jurisprudência (TRF3, 0003195 45.2012.4.03.6113, Rel. Des. Marli Ferreira).

Para a concessão da assistência judiciária gratuita basta que a parte declare não possuir condições de arcar com as despesas do processo sem prejuízo do próprio sustento ou de sua família, cabendo à parte contrária o ônus de elidir a presunção de veracidade daí surgida - art. 4º da Lei nº 1060/50. 2. Descabem critérios outros (como isenção do imposto de renda ou renda líquida inferior a 10 salários mínimos) para infirmar presunção legal de pobreza, em desfavor do cidadão (TRF4, 5032431-23.2018, Rel. Des. Fernando Quadros).

A declaração de pobreza que tenha por fim o benefício de assistência judiciária gratuita tem presunção relativa de veracidade, podendo ser afastada, fundamentadamente (STJ, AgRg no AREsp 372.220/RJ, 3ª Turma, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva). A presunção gerada pela declaração não afasta a necessidade da prova, quando há elementos que indicam o contrário (STJ, EDcl no AgInt nos EDcl nos EDcl no AgInt nos EDcl no AREsp 831.803/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva).

Quanto à concessão do benefício da justiça gratuita [...], o disposto no art. 1º, § 1º, da Lei n. 1.060/50, consagra a presunção juris tantum de que a pessoa física, que pleiteia o benefício, não possui condições de arcar com as despesas do processo sem comprometer seu próprio sustento ou de sua família. Por isso, em princípio, basta o simples requerimento, sem nenhuma comprovação prévia, para que lhe seja concedida a assistência judiciária gratuita. Entretanto, tal presunção é relativa, podendo a parte contrária demonstrar a inexistência do estado de miserabilidade ou o magistrado indeferir ou revogar o pedido de assistência se encontrar elementos que infirmem a hipossuficiência do requerente. Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que o benefício da assistência Judiciária pode ser indeferido ou revogado quando o julgador se convencer, com base nos elementos acostados aos autos, de que não se trata de hipótese de miserabilidade jurídica (STJ, AgInt nos EDcl no

AREsp 1163228/MG, Rel. Min. Marco Buzzi). Busca de critérios objetivos para a concessão da gratuidade:

Restou pacificado na Primeira Seção desta Corte que a assistência judiciária deverá ser concedida aos requerentes que tenham renda mensal de até 10 (dez) salários mínimos (TRF1, 043437- 33.2017.4.01.0000, Rel. Des. Carlos Brandão).

Se a parte recebe aposentadoria em valor superior ao limite de isenção do IR e superior a três salários mínimos, não há direito à gratuidade da justiça, mormente diante da renda média do trabalhador brasileiro (TRF2, 0007488-81.2018.4.02.0000, Rel. Des. Marcelo da Silva).

Se tem renda anual cuja soma é superior ao limite de isenção para o IR e se não há outros elementos de prova a demonstrar a incapacidade econômica, não há direito ao benefício, mormente diante da renda média do trabalhador brasileiro (TRF2 0043397-18.2015.4.02.5101, Rel. Des. Marcelo da Silva).

A adoção do critério do percebimento de renda mensal inferior a três salários mínimos, previsto na Resolução n. 85, de 11 de fevereiro de 2014, do Conselho Superior da Defensoria Pública da União, além de se coadunar com a baliza para a concessão da isenção do imposto de renda, é corroborada por precedentes desta Corte (Neste sentido: TRF2 2009.50.02.002523-2, 3ª Seção Especializada, Relator Des. Fed. ALUISIO GONÇALVES DE CASTRO MENDES, Data da disponibilização: 12/04/2016; TRF2 2016.00.00.006258-2, Sexta Turma Especializada,

Relator Des. Fed. GUILHERME CALMON NOGUEIRA DA GAMA, Data da disponibilização: 21/03/2017;TRF2 2016.00.00.006508-0, Quinta Turma Especializada, Relator Juiz Federal Convocado FIRLY NASCIMENTO FILHO, data da disponibilização: 10/11/2016) (TRF2, 20007019-35.2018.4.02.0000, Re. Des. Theophilo Filho).

Adota-se o critério da maior renda per capita mensal do brasileiro (DF em 2016) (TRF3, 0018806-10.2018.4.03.9999, Rel. Des. Carlos Delgado).

Adota-se o critério do teto da Defensoria Pública, de 3 salários mínimos (TRF3, 0018806-10.2018.4.03.9999, Rel. Des.Carlos Delgado).

Adoção como limitador do salário-mínimo para garantir a subsistência de uma família, calculado pelo DIEESE em R$ 3.240,27 para setembro de 2015 (TRF3, 0004736-85.2018.4.03.9999, Rel. Des. Gilberto Jordan).

Adota-se como critério limitador o valor do teto dos benefícios da Previdência Social, a ser confrontado com o salário líquido da parte requerente (TRF4, 5029633-89.2018.4.04.0000, Rel. Gisele Lemke).

Um dos elementos considerados pela jurisprudência para afastar a presunção de pobreza decorrente da declaração da pessoa física é a comprovação de renda líquida mensal superior a 10 (dez) salários mínimos, não se constituindo, todavia, em critério único e absoluto, pois deverá ser avaliado em conjunto com os demais elementos constantes dos autos (TRF4, 5011577-08.2018.4.04.0000, Rel. Des. Roger Rios).

A só afirmação de que a impugnada percebe, mensalmente, a quantia remuneratória bruta superior ao valor do teto pago pelo INSS não comprova que ela se encontra em condições que lhe permitam pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou da família. 2. Não é necessário que a pessoa seja miserável para fazer jus ao benefício da gratuidade de justiça (TRF4, 5005965-16.2015.4.04.7204, Rel. Des. Marga Tessler).

É razoável presumir e reconhecer a hipossuficiência do requerente quando sua renda, apesar de superar a média de rendimentos dos cidadãos brasileiros em geral, ou o limite de isenção do imposto de renda, não for superior ao teto dos benefícios da Previdência Social, atualmente fixado em R$ 5.645,80. O valor deve ser confrontado com outros elementos de prova eventualmente presentes nos autos (TRF4, 5001636-70.2015.4.04.7006, Rel. Taís Ferraz).

Critérios considerados (ou não) para aferição da insuficiência econômica:

O fato de a parte beneficiária da assistência judiciária gratuita ter se sagrado vencedora na ação e ter valores a receber em virtude disso não altera sua condição de hipossuficiente. TRF1, 0011699- 41.2018.4.01.9199, Rel. Des. Jamil Oliveira; 0030520-21.2013.4.01.0000, Rel. Des. João Luiz de Souza; 0043437-33.2017.4.01.0000, Rel. Des. Carlos Brandão e Emmanuel Medeiros).

Não devem servir de norte ao julgador, na análise do pedido de assistência judiciária gratuita, apenas as receitas da parte, sendo necessária a avaliação de suas despesas, bem como de seus dependentes, tais como os gastos extraordinários ou essenciais (TRF2, 0003936-11.2018.4.02.0000, Rel. Des. Aluísio Mendes). A exigência constitucional - "insuficiência de recursos" - deixa evidente que a concessão de gratuidade judiciária atinge tão somente os "necessitados" (artigo 1º da Lei nº 1.060/50). Define o Dicionário Houaiss de língua portuguesa, 1ª edição, como necessitado "1. que ou aquele que necessita; carente, precisado. 2. que ou quem não dispõe do mínimo necessário para sobreviver; indigente; pobre; miserável."

Não atinge indistintamente, portanto, aqueles cujas despesas são maiores que as receitas. Exige algo mais. A pobreza, a miserabilidade, nas acepções linguísticas e jurídicas dos termos. Justiça gratuita é medida assistencial. É o custeio, por toda a sociedade, das despesas inerentes ao litígio daquele que, dada a sua hipossuficiência econômica e a sua vulnerabilidade social, não reúne condições financeiras mínimas para defender seus alegados direitos (TRF3, 0018806-10.2018.4.03.9999, Rel. Des. Carlos Delgado).

Despesas de empréstimos bancários, serviço médico para si e dependentes, serviço particular de educação para dependentes devem ser deduzidos para avaliação da hipossuficiência (TRF3, 0016260-79.2018.4.03.9999, Rel. Des. Sérgio Nascimento).

A simples contratação de advogado para defesa dos interesses do impugnado e o salário bruto (receita) devidamente comprovado no valor de R$ 9.018,00 (nove mil e dezoito reais) não são suficientes para provar a capacidade econômica do impugnado. Ressalta-se que não se pode deduzir que o apelante esteja em condições de arcar com as despesas processuais e verbas da sucumbência sem prejuízo próprio ou de sua família, tão somente pelo valor auferido a título de proventos, mas também devem ser consideradas as despesas básicas para a mantença do núcleo familiar (TRF3, 001997-93.2014.4.03.6115,

Rel. Des. Hélio Nogueira). A situação financeira da parte autora diz respeito diretamente ao fluxo de caixa, ou seja, no tocante à capacidade de saldar despesas imediatas com alimentação, vestuário, assistência médica, afora gastos com água e luz, conceito distinto de situação econômica (TRF3, 0004736-85.2018.4.03.9999, Rel. Des. Gilberto Jordan).

O fato de ser contratado advogado particular para defender os interesses, bem como a expectativa de direito de recebimento créditos, ainda não disponibilizados, não configuram elementos suficientes para demonstrar a capacidade financeira do beneficiário, mormente em se considerando o baixo valor do benefício previdenciário que aufere (TRF3, 0006009-17.2013.4.03.6106, Rel. Des. Wilson Zauhy).

A percepção de valores atrasados provenientes de condenação judicial não altera a situação econômica do segurado para efeito da assistência judiciária gratuita, já que se trata de recomposição de patrimônio, mediante pagamento pertinente a anos de recebimento a menor de benefício de caráter alimentar (TRF4, 0016328-07.2015.4.04.9999,

Rel. Taís Ferraz).

Uma vez demonstrada, claramente, a situação de insuficiência de recursos em que o requerente se encontra e, não tendo a parte contrária provado que tal condição inexiste ou mesmo deixou de existir, cumpre ao magistrado deferir o benefício da gratuidade judiciária (TRF5, 004595-41.2013.4.05.8300, Rel. Des. Lázaro Guimarães).

É cediço que, para o deferimento da gratuidade da justiça, o juiz não pode se limitar à verificação apenas do valor da remuneração percebida pelo postulante, impondo-se fazer o cotejo das condições econômico-financeiras com as despesas correntes utilizadas para preservar o sustento próprio e o da família (TRF5, 0001158- 55.2016.4.05.0000, Rel. Des. Élio de Siqueira Filho).

Para o deferimento da gratuidade da justiça, o juiz não pode se limitar à verificação apenas do valor da remuneração percebida pelo postulante, impondo-se "fazer o cotejo das condições econômico financeiras com as despesas correntes utilizadas para preservar o sustento próprio e o da família" (STJ, AgRg no AREsp 257.029/RS, Rel. Min. Herman Benjamin). Efeitos da concessão da gratuidade:

Concedida a gratuidade judiciária, perdura para todo o processo e graus de jurisdição.

Os efeitos jurídicos da concessão da gratuidade não se operam sobre condenação pregressa (STJ, AgInt nos EDcl no REsp 1696775/SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino).

O beneficiário da justiça gratuita não é isento do pagamento dos ônus sucumbenciais, custas e honorários, apenas sua exigibilidade fica suspensa até que cesse a situação de hipossuficiência ou se decorridos cinco anos, conforme prevê o art. 12 da Lei nº 1.060/50 (STJ, EDcl no AgRg no REsp 1.224.326/RS, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima).

O benefício da justiça gratuita pode ser concedido em qualquer momento processual e em qualquer instância e, uma vez concedido, salvo expressamente revogado, estende-se ao processo de execução e aos embargos à execução (TRF2, 0148577-14.2015.4.02.5104, Rel. Des. Marcello Granado).

A concessão do benefício não tem o condão de afastar a obrigação de pagar os honorários advocatícios que foram fixados à época em que a parte não litigava sob o abrigo do benefício (TRF4, 5028770- 36.2018.4.04.0000, Rel. Des. Cândido Leal Jr.).

O beneficiário da justiça gratuita não é isento do pagamento dos ônus sucumbenciais, custas e honorários, apenas sua exigibilidade fica suspensa até que cesse a situação de hipossuficiência ou se decorridos cinco anos, conforme prevê o art. 12 da Lei n. 1.060/50 (TRF5, 0001599-97.2013.4.05.8000, Rel. Des. Leonardo Martins).

Como se pode perceber, alguns consensos existem na interpretação sobre a aplicabilidade e a extensão do benefício da gratuidade judiciária, mas há muitos dissensos também. Dentre os consensos, podem ser citados os efeitos, amplos e no tempo, da gratuidade, a condição suspensiva de exigibilidade das despesas frente ao beneficiário, a irretroatividade do benefício, e a necessidade de serem avaliadas, na decisão sobre o pedido de assistência judiciária, circunstâncias específicas, para além das receitas auferidas pelo requerente, em especial algumas despesas por ele enfrentadas.

Não há, porém, compartilhamento de critérios quanto ao tipo de despesa a ser considerada, para se concluir se podem ser deduzidas do valor da remuneração mensal do requerente, antes de confrontá-lo com algum dos muitos critérios objetivos de aferição de insuficiência econômica. Há decisões que admitem a dedução de despesas de natureza elegível, como plano de saúde e educação privada, enquanto outras consideram dedutíveis apenas as despesas essenciais, como água, luz ou alguma despesa extraordinária não elegível.

Quanto ao critério objetivo, há muitas possibilidades em uso:

a) teto para atendimento pela Defensoria Pública (3 salários mínimos);

b) renda média do trabalhador brasileiro;

c) renda inferior a 10 salários mínimos;

d) renda inferior ao teto da Previdência Social;

e) renda inferior ao limite de isenção do Imposto de Renda, entre outros.

São parâmetros que conduzem a limites e decisões muito diferentes quanto ao direito ao benefício.

Há, também, entendimento firmado em incidente de uniformização de jurisprudência, no âmbito da 4ª Região, no sentido do não cabimento do uso de critérios objetivos para informar presunção legal de pobreza (TRF4, AC nº 5008804-40.2012.404.7100,

Rel. Des. Federal Néfi Cordeiro, julgado em 28-2-2013).

Este mesmo entendimento quanto à inadequação de se adotar um critério objetivo (teto de remuneração do beneficiário) já resultou de decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ, AgRg no AgRg no REsp 1402867/RS, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho,

1ª Turma, julgado em 27/02/2018; REsp 1706497/PE, Rel. Ministro Og Fernandes, 2ª Turma, julgado em 06/02/2018). Tais julgados reclamam a necessidade da aferição, caso a caso, da situação eventualmente ensejadora da concessão do benefício.

Pouco se debateu, até o momento, sobre a possibilidade da concessão de gratuidade limitada, à luz das disposições do novo CPC. A tendência se manteve a mesma que já era adotada sob a égide do CPC de 1973.

Quanto à necessidade ou não da comprovação da condição de insuficiência, também não há uniformidade nos julgados, mas se pode identificar a tendência de aplicação mais literal do comando do novo CPC, que faz nascer diretamente da declaração de insuficiência econômica uma presunção do quanto é declarado, recaindo o ônus da prova sobre a parte adversa.

Ainda assim, há consenso no sentido de que esta presunção é relativa, de forma que, em havendo nos autos elementos que apontem para a suficiência de recursos para arcar com as despesas do processo, o juiz pode indeferir o benefício ou intimar a parte para que comprove o que declarou.

Uma pesquisa rápida na jurisprudência dos Tribunais de Justiça faz perceber que o entendimento no âmbito da Justiça Estadual é diverso e mais restritivo à concessão do benefício da gratuidade judiciária. Grande parte dos Tribunais exige que o interessado comprove a necessidade do benefício, atribuindo menor valor à declaração de insuficiência por ele firmada.

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul desenvolveu um BI, um sistema de Business Intelligence, que monitora a concessão dos benefícios de gratuidade e seus impactos em todo o Estado, prestando aos magistrados importantes informações sobre a economia das diversas regiões do Estado, de forma a terem elementos mínimos para a apreciação de pedidos que chegam desacompanhados de qualquer prova.

3.3 Proporção de processos com assistência judiciária gratuita

Não há dados totalizados nacionalmente que permitam estimativa mais precisa da proporção de processos com gratuidade judiciária concedida. As informações obtidas demonstram que as situações podem ser bastante díspares nas regiões, mas há provável inconsistência nos dados, uma vez que nem todos os sistemas adotam esta informação como obrigatória, e em alguns casos, ela fica na dependência da alimentação pelo advogado, ao ajuizar a demanda. A probabilidade é que os dados obtidos estejam subestimados.

Não foi possível obter dados de todas as regiões.

No âmbito da quarta região, cujos dados já estão disponíveis, do total de 1.819.922 processos em tramitação em janeiro do corrente ano, há registro no sistema de que a gratuidade judiciária foi deferida em 23,41% dos casos, que correspondem a 426.034 processos. No TRF4 estão em tramitação 167.400 processos, havendo concessão de gratuidade judiciária em 31,26% (52.328) dos feitos.

Se forem retirados do total de processos em tramitação as demandas de juizado especial federal, partindo-se de um total de 1.060.287 processos, a proporção média de feitos com gratuidade judiciária deferida cai para 7,51% alcançando 79.676 casos.

Na 2ª Região, dados de abril de 2019 indicam que dos 1.022.754 processos em tramitação, houve concessão de assistência judiciária gratuita em 56.751, o que corresponde a 5,54% dos casos, considerando-se inclusive os juizados.

Num cálculo apenas aproximado, projetando-se a menor proporção encontrada nas duas regiões comparadas, sobre o total de processos em estoque na Justiça Federal, que, segundo dados do Observatório, alcança 10,3 milhões em 2017, chega-se facilmente a um volume de mais de meio milhão de processos com gratuidade judiciária deferida. Este dado, como referido, parece estar subestimado.

3.4 Impactos da Concessão

Quanto aos impactos da concessão, pode-se avaliá-los sob o aspecto do custo do serviço e sob a perspectiva do acesso à Justiça.

Os efeitos diretos mais sensíveis relacionados ao custo da prestação do serviço aos beneficiários da gratuidade decorrem da isenção de custas e das despesas com perícias, estas imputadas, em grande medida, ao orçamento do Poder Judiciário.

O impacto orçamentário das despesas com perícias já foi apresentado pela Nota Técnica 6/2018 deste Centro Nacional de Inteligência. Os valores absolutos gastos com perícias judiciais totalizaram, para toda a Justiça Federal, R$ 170.418.280,45 no ano de 2017.

O montante cresceu quase quatro vezes de 2010 a 2017, sendo em que algumas Seções Judiciárias essa proporção é ainda maior. A litigiosidade previdenciária responde por 92% da despesa total.

Ainda que se mantenha repartição do custo das perícias com o Poder Executivo, haverá valores consideráveis a serem executados como despesa obrigatória nos anos subsequentes pela Justiça Federal, inclusive em matéria de competência delegada. A continuar crescendo o volume de perícias, o pagamento resultará inviabilizado em razão do teto de gastos estabelecido pela Emenda Constitucional 95/2016.

O severo impacto das perícias sobre o orçamento da Justiça Federal obviamente que tem relação direta com a proporção de processos em que deferida a gratuidade judiciária.

E esta proporção, como já referido, é expressiva em relação ao total de processos, sendo certo, como já identificado na pesquisa realizada para a Nota Técnica 6/2018, que, em média, em 10,8% dos processos com gratuidade, mais de uma perícia é realizada, e que, em média, em 20% dos processos distribuídos anualmente realizam-se perícias (Nota Técnica 6/2018), percentual que tende a aumentar na medida em que grande parte das ações por incapacidade

já iniciam com a realização de perícias por meio de serviços estruturados pelas Seções Judiciárias, numa opção de trazer para a responsabilidade da Justiça Federal a própria iniciativa probatória nas ações previdenciárias. Sobre o tema estão sendo adotadas medidas específicas, no desdobramento da Nota Técnica 6/2018, sendo importante considerar, porém, para os efeitos deste estudo, a vinculação que se estabelece entre a concessão da gratuidade

e a despesa com perícias.

Quanto às custas a serem pagas no âmbito da Justiça Federal, estão regulamentadas na Lei n. 9.289/1996, que estabelece serem devidas à União, regendo-se pela legislação estadual a cobrança nas causas de jurisdição federal delegada. A mesma lei isenta do seu pagamento os beneficiários de assistência judiciária gratuita.

Nos juizados especiais federais não são devidas custas judiciais, salvo em caso de recurso (art. 55 da Lei n. 9.099/95) e desde que a pessoa não tenha direito à gratuidade judiciária.

Ao ser editada, a Lei n. 9.289/1996 indexou à Unidade Fiscal de Referência - UFIR toda a tabela de custas que colocou em vigor.

A Resolução n. 184/1997, do CJF, estabeleceu que o Coordenador-Geral da Justiça Federal expediria e distribuiria, sempre que necessário, a tabela atualizada com valores em reais, para facilitar e orientar os órgãos técnicos competentes, definindo, ainda, que os preços referentes a cópias reprográficas, autenticações, porte de retorno, desarquivamento, AR, editais e outros, seriam definidos pelas Corregedorias dos TRFs.

Após a extinção da UFIR, o então Coordenador-Geral da Justiça Federal, Ministro Hélio Mosimann, editou a Portaria n. 1, de 30 de maio de 2000, fixando em moeda corrente (real) as custas da Justiça Federal. Desde então, os valores mínimo e máximo da tabela de custas para ações cíveis, criminais, arrematações, adjudicações, remissões, certidões e cartas de sentença não sofrem alteração, o que em princípio decorre da ausência de indexador definido em lei, em substituição à UFIR, uma vez que as custas têm natureza jurídica de taxa, submetendo-se ao princípio da reserva de lei. O valor do porte de remessa e retorno, na medida em que pressupõe despesa específica, vem sendo fixado pelos TRFs. Trata-se de preço que vem perdendo a razão de ser, à medida que o processo judicial eletrônico vem sendo implantado, contribuindo para reduzir despesas, inclusive com o correio.

Segundo dados nacionais acessados pela Seção Judiciária do Rio Grande do Sul e disponibilizados a este Centro Nacional de Inteligência, na data de 19/11/2018 o orçamento anual do Poder Judiciário Federal estava em R$ 11.966.883.055, sendo que entre novembro de 2017 e outubro de 2018, a arrecadação de custas totalizou R$ 152.132.066,74. O pagamento de custas, portanto, responde por menos de 2% do orçamento da Justiça Federal,

correspondendo a aproximadamente de 1,4% da despesa. E é importante ter presente que neste total estão considerados não apenas os valores das taxas propriamente ditas, mas também os valores correspondentes a portes de remessa e retorno e outros preços que são cobrados por serviços não remunerados por taxas.

Esclarece a Secretaria de Orçamento e Finanças deste Conselho que as custas devidas nos processos ingressam como receita, via GRU, diretamente no Tesouro Nacional e que, na sequência, são aproveitadas para compor o orçamento de gastos da Justiça Federal, ingressando sob a rubrica própria, para fins meramente contábeis.

A tendência seria considerar que em sendo maior a arrecadação, maior seria o ingresso de receitas para fins de custeio.

No entanto, não tem sido este o resultado, situação agravada com a aprovação do teto de gastos, pela Emenda Constitucional n. 95/2016. A maior ou menor arrecadação de custas apenas resulta no maior ou menor aporte de outras receitas pela União, para a integralização do orçamento aprovado. Os valores das custas não ficam disponíveis para utilização como receita primária e autônoma do Poder Judiciário, diferentemente do que ocorre com diversos tribunais de justiça dos estados, cujas custas recolhidas ingressam diretamente, como recursos próprios, nos orçamentos de Fundos Especiais legalmente criados e sob a coordenação dos tribunais, destinando-se a despesas com investimentos e outras consideradas estratégicas. A Constituição, no § 2º do art. 98, incluído pela Emenda Constitucional n. 45/2004, estabelece que "as custas e emolumentos serão destinados exclusivamente ao custeio dos serviços afetos às atividades específicas da Justiça."

Na prática, porém, o que ocorre, em decorrência da previsão textual na Lei n. 9.289/1996, é que as receitas provenientes das custas são absorvidas pelo orçamento geral da União, dificultando a gestão orçamentária dos recursos captados pelo próprio Poder Judiciário.

Ainda que o produto de sua arrecadação reverta, sob a forma de rubrica específica, ao orçamento, seu aproveitamento não se faz de forma destacada do restante dos recursos orçamentários destinados ao Poder Judiciário Federal. É como se para tais valores, que se constituem em taxas, se desse a mesma destinação dos impostos em geral. O efeito tem sido: maior a arrecadação, menor necessidade tem o Tesouro de contribuir para o orçamento do

Poder Judiciário.

A Associação dos Juízes Federais do Brasil vem defendendo a criação do Fundo Especial da Justiça Federal - FEJUFE, como órgão destinatário e gestor das custas arrecadadas e outras receitas primárias, como as provenientes de concursos públicos, alienação de bens, dotações específicas e outras receitas relativas à autonomia financeira e orçamentária do Poder Judiciário Federal.

A esse propósito a AJUFE editou, em setembro de 2018, nota técnica analisando aspectos legais e técnicos dos projetos de Lei n. 5.827/2013 e n. 7.735/2017, documento no qual avalia o atual impacto da arrecadação das custas processuais no custo total anual dos serviços da área-fim da Justiça Federal, e alerta para a importância da aprovação do último projeto de lei, ao qual o primeiro foi apensado. Defende-se naquela nota técnica um olhar mais profundo para as custas enquanto fonte de receitas, especialmente diante da previsão de cortes no orçamento da Justiça Federal. No mesmo documento técnico avaliou-se a utilidade da criação do FEJUFE, mesmo diante da vigência do teto de gastos, que, em tese, inviabilizaria a realização de novas receitas primárias, ainda que houvesse aumento de receitas.

A conclusão foi pela compatibilidade do FEJUFE com o Novo Regime Fiscal, elencando-se uma série de argumentos pela efetividade e necessidade da sua instituição, os quais foram, um a um, detalhados naquele documento técnico.

Recentemente, foi aprovado o referido projeto de lei no âmbito da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, e sua tramitação segue no Congresso Nacional.

Importante ter presente que a criação do FEJUFE, se assim o previr a lei, permitirá também o aproveitamento de eventual superávit ao final de cada ano, sem necessária devolução do crédito ao Executivo, como ocorre com as eventuais sobras orçamentárias. Isto garantirá melhor planejamento de ações e que projetos em andamento tenham seguimento mesmo diante de limitações e cortes orçamentários ou do término do exercício sem que tenha sido integralmente executada a despesa. Os recursos do Fundo não podem ser utilizados para cobrir despesas com o pagamento de pessoal. Seu objetivo é permitir que o orçamento esteja mais desonerado para o tratamento de inúmeras outras necessidades estruturais da Justiça Federal.

Os Tribunais de Justiça dos Estados, a exemplo do TJRS e do TJRJ, têm seus próprios fundos de reaparelhamento, que recebem e gerem as receitas provenientes da arrecadação das custas judiciais, tendo sido possível, por meio destes recursos, diversos investimentos voltados à estruturação dos serviços.

De toda a sorte, seja com o FEJUFE, seja com a manutenção do modelo atual, um maior controle na concessão da gratuidade judiciária produzirá maior volume em arrecadação de custas no âmbito da Justiça Federal.

De considerar, também, no item impactos da concessão da gratuidade judiciária, o custo da prestação dos serviços de cálculos pelas contadorias da Justiça Federal, que ocorre, em grande quantidade, nas demandas em que são autores ou réus os beneficiários da AJG, o que foi expressamente previsto pela legislação processual (CPC, art. 98, § 1º, VII). Tais serviços, quando não são realizados diretamente pelas contadorias, são pagos como perícias.

Especialmente no âmbito da justiça criminal, despesas com defensores dativos também impactam nos custos da gratuidade judiciária e são carreadas ao Poder Judiciário.

Com frequência, diante da carência de defensores públicos ou da impossibilidade de serem os réus com insuficiência econômica defendidos por um único defensor público, diante de eventual conflito de interesses, são nomeados defensores dativos, cuja remuneração tem previsão na Resolução n. 305/2014 do CJF. São comuns, no ponto, casos de fixação de honorários em patamares acima das tabelas da resolução, com adoção da tabela de honorários da OAB, como consignado na nota técnica referida inicialmente, elaborada pelo Centro Local de Inteligência da Seção Judiciária de Santa Catarina e já encaminhada à Comissão Gestora de Precedentes do STJ.

Além do impacto sob o aspecto orçamentário, decorrente da maior ou menor concessão do benefício da gratuidade da justiça, impõe-se ter presente a questão do acesso à justiça.

Não há dúvidas de que a existência do benefício legal da gratuidade judiciária é importante instrumento para garantir aos necessitados o acesso à justiça, dando densidade e concretude ao princípio constitucional que consagra esta garantia. Milhares de segurados da Previdência Social, mutuários de financiamentos habitacionais, beneficiários do direito à saúde, entre outros, têm oportunidade de fazer chegar ao Poder Judiciário pedidos de reconhecimento e de efetivação de seus direitos fundamentais, o que constitui inequívoca conquista em termos de patamar civilizatório.

A dificuldade reside no uso exagerado e, por vezes, abusivo do instrumento e no convite que vem sendo feito ao seu uso temerário, pelo próprio Poder Judiciário, na medida em que é muito grande a diversidade de critérios objetivos sobre os pressupostos para a obtenção da gratuidade judiciária.

A manutenção produtiva do benefício, como política pública de acesso à Justiça, especialmente diante dos altos custos que impõe aos cofres públicos, pressupõe um olhar mais profundo sobre os fundamentos da sua concessão, evitando-se que pessoas capazes economicamente de realizarem o pagamento das despesas com o processo sejam contempladas com a gratuidade.

A não atenção a essas questões favorece o ajuizamento de demandas aventureiras e lotéricas. Não há sequer análise de custo-benefício no ingresso com uma demanda judicial.

Mesmo nos casos em que a parte tem pouca expectativa de ver reconhecido o direito ao que postula, é estimulada a postular, pois nada tem a perder com a movimentação da máquina judiciária para avaliação de sua pretensão. Não paga custas (que já são mínimas), não pagará perícias nem honorários de advogados, acaso resulte vencida no processo.

Talvez não se deva esperar dos jurisdicionados e respectivos advogados uma mudança de atitude no ajuizamento de demandas com baixo potencial de procedência. Afinal, é o próprio Poder Judiciário Federal que, ao deixar de realizar um maior controle das condições para concessão da gratuidade, ampliando-a, criou o contexto favorável para que todos pudessem tentar a sorte através dos processos.

Não foi, porém, sempre assim. Quando se exigia alguma demonstração da condição de necessitado, o volume de concessões era muito menor.

A lei trabalhista previu, ainda, quanto às perícias, que a responsabilidade pelo respectivo pagamento seria da parte sucumbente na pretensão objeto da prova técnica, ainda que beneficiário da assistência judiciária gratuita, deixando a cargo da União o custeio da despesa somente se o beneficiário não tiver obtido em juízo créditos capazes de suportar a despesa, ainda que em outro processo.

Pode-se conjeturar se esta redução se manterá, pois embora não sejam, de regra, os mesmos profissionais da advocacia a litigarem na Justiça Federal comum e na Justiça do Trabalho, é provável que estes últimos também aprendam o caminho que aqueles já percorrem há muitos anos, mas a Justiça do Trabalho tem à frente a possibilidade de já iniciar o percurso impondo alguns limites objetivos à concessão do benefício da assistência judiciária gratuita. Advogados e magistrados reconhecem que é a avaliação de risco de pagar a sucumbência que vem provocando a redução, sem contar a diminuição da quantidade de pedidos nas ações ajuizadas.

Parece relevante ponderar, no contexto da análise econômica do quadro atual, quais seriam os possíveis efeitos de uma eventual densificação do conceito de insuficiência econômica com a definição de critérios um pouco mais precisos para a concessão da gratuidade da justiça. A questão pode ser posta a partir da dicotomia entre definição de regras

(fixação de limites objetivos) e definição de standards (manutenção da abertura do conceito de insuficiência econômica). A manutenção de um conceito aberto e a larga discricionariedade com que vem sendo interpretado tendem a produzir insegurança, indeterminação, banalização do uso, favorecendo a manipulação de elementos, de forma a criar sempre contexto que conduza à concessão do benefício. A adoção de eventual limitador, na esteira da legislação trabalhista, talvez viesse a garantir certas virtudes, como maior uniformidade, estabilidade, segurança e igualdade material na aplicação do instituto da gratuidade da justiça.

É certo que tal objetivação geraria algumas dificuldades, como uma certa rigidez dos critérios que viessem a ser eleitos, em face da possível diversidade de condições a serem ponderadas. Não por outra razão, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu, em diversas oportunidades, não ser adequada a escolha de um teto remuneratório para fins de caracterização da impossibilidade de arcar com as despesas do processo. Talvez a eventual rigidez de um critério objetivo pudesse ser mitigada com a preservação de uma cláusula que assegurasse a avaliação em concreto de circunstâncias específicas ou imprevistas, garantindo flexibilidade e um certo dinamismo na avaliação do direito à gratuidade da justiça, a permitir que se adapte às peculiaridades dos casos.

Parece certo reconhecer, em qualquer caso, que o quadro atual parece ser de ausência de consensos e de desigualdade no reconhecimento do direito, e a multiplicidade de limitadores objetivos vem produzindo uma aplicação do instituto baseada em escolhas determinadas por critérios variáveis, pouco previsíveis, não estáveis e, em alguma medida, arbitrários, contribuindo para moldar comportamentos pouco responsáveis entre os jurisdicionados. Não há valores de ameaça, não há compartilhamento de riscos ou cooperação para o uso racional e equilibrado do importante instituto.

3.5 Medidas paliativas

Algumas medidas paliativas podem ser implementadas com vistas a reduzir os impactos da concessão da gratuidade judiciária. São elas, entre outras:

-  concessão parcial da gratuidade, quando for o caso;

-  pagamento de parte das despesas com perícia pelo beneficiário (ou pagamento da segunda ou terceira perícias);

- controle dos gastos com perícias -  tema sujeito a nota técnica própria;

- controle de gastos com advogados dativos (nota técnica do Centro Local de Inteligência de SC);

- consulta ao CNIS ou intimação da parte para apresentar documentos comprobatórios da insuficiência econômica, sempre que algum dado aponte para a inconsistência da declaração firmada pela parte, em especial a ocupação declarada na inicial (nota técnica do Centro Local de Inteligência de SP);

- cobrança das despesas incorridas se o beneficiário obtiver em juízo crédito capaz de suportá-las.

- compartilhamento de soluções a partir dos debates nos Centros Locais de Inteligência;

 

4 CONCLUSÃO

 

Apresentado o quadro acima, quanto aos critérios e impactos da concessão da gratuidade judiciária no âmbito da Justiça Federal, e tendo presente que se trata de importante instrumento de acesso à justiça, a merecer especial atenção e tratamento pelo Poder Judiciário, formalizam-se algumas propostas de intervenção sobre o problema. São elas:

a) a remessa desta nota técnica à Comissão Gestora de Precedentes do STJ para avaliação da possibilidade de afetação do tema pela Corte Superior, no regime de recursos repetitivos, diante do quadro antes descrito e em face da superveniência das modificações na legislação trabalhista.

b) independentemente dessa providência, também se propõe o envio da nota aos TRFs, em âmbito regional, onde há maior quantidade de processos tramitando sobre a questão, para avaliação das possibilidades de afetação e julgamento em Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas ou em Incidente de Assunção de Competência. Esta medida permitiria, na falta de representativos de controvérsia no STJ, que a questão já chegasse a Recurso Especial a partir de julgamentos em sistema qualificado.

i. Os Centros de Inteligência de São Paulo e do Mato Grosso do Sul já fizeram notas técnicas propondo a afetação do tema ao regime de recursos repetitivos, especialmente quanto à possibilidade de se estender a aplicação da sistemática prevista nos §§ 3º e 4º do art. 790 da Consolidação das Leis do Trabalho ao processo civil comum.

c) divulgação do teor da nota a todos os magistrados federais, oportunizando-se que sejam promovidos debates sobre o tema e sobre as possíveis medidas de racionalização, diante dos impactos sistêmicos da concessão em massa da gratuidade judiciária.

d) proposição aos Centros de Inteligência das Seções Judiciárias, Diretores de Foro e aos Diretores das Escolas de Magistratura dos TRFs para que promovam debates entre os magistrados, inclusive, se possível, em ações de formação específicas, sobre os impactos da concessão da gratuidade judiciária na prestação jurisdicional, de forma que compartilhem experiências e considerem a possibilidade de solicitar ao requerente do benefício a comprovação da condição de insuficiência econômica declarada no processo, sempre que haja elementos razoáveis que indiquem não estar total ou parcialmente presente a efetiva insuficiência econômica no caso, avaliando, inclusive, a hipótese de concessão parcial do benefício.

Deixa-se de propor, aqui, medidas mais específicas pertinentes à racionalização das perícias nos processos em que deferida a gratuidade judiciária, pois gestões vêm sendo feitas em paralelo, para tal finalidade, como desdobramento da Nota Técnica 6/2018 deste Centro Nacional de Inteligência.

 

Centros de Inteligência da Justiça Federal