Nota Técnica 6 (CLIRN)/2018

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16/07/2018

Interpretação de Precedente do STF, RE 870947 sobre concessão de beneficio de prestação continuada (Lei no 8.742193, art. 20)

NOTA TÉCNICA N. 06/2017 TEMA N. 19 - INTERPRETAÇÃO DE PRECEDENTE DO STF, RE 870947 Relator: JOSÉ CARLOS DANTAS T. DE SOUZA I. RELATÓRIO O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, no julgamento do RE 870947, firmou tese de grande repercussão para julgamento de processos na Justiça Federal. Conforme acórdão do...
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NOTA TÉCNICA N. 06/2017

 

TEMA N. 19 - INTERPRETAÇÃO DE PRECEDENTE DO STF, RE 870947

 

Relator: JOSÉ CARLOS DANTAS T. DE SOUZA

 

I. RELATÓRIO

 

O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, no julgamento do RE 870947, firmou tese de grande repercussão para julgamento de processos na Justiça Federal. Conforme acórdão do julgamento: "O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Relator, Ministro Luiz Fux, apreciando o tema 810 da repercussão geral, deu parcial provimento ao recurso para, confirmando, em parte, o acórdão lavrado pela Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, (i) assentar a natureza assistencial da relação jurídica em exame (caráter não-tributário) e (ii) manter a concessão de beneficio de prestação continuada (Lei no 8.742193, art. 20) ao ora recorrido (iii) atualizado monetariamente segundo o ISCA-E desde a data fixada na sentença e (iv) fixados os juros moratórios segundo a remuneração da caderneta de poupança, na forma do art. 1º- F da Lei n. 9.494/97 com a redação dada pela Lei n. 11.960/09. Vencidos, integralmente o Ministro Marco Aurélio, e parcialmente os Ministros Teori Zavascki, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes. (...) Presidiu o julgamento a Ministra Cármen Lúcia. Plenário, 20.9.2017¿ (In. www.stf.jus.br. Processos. Acompanhamento Processual RE 870947).

 

Na mesma ocasião, o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, por maioria, vencido o Ministro Marco Aurélio, fixou as seguintes teses, nos termos do voto do Relator (In. www.stf.jus.br):

 

1) "O art. 1º-F da Lei no 9.494/97, com a redação dada pela Lei n. 11.960/09, na parte em que disciplina os juros moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, é inconstitucional ao incidir sobre débitos oriundos de relação jurídico-tributária, aos quais devem ser aplicados os mesmos juros de mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito tributário, em respeito ao princípio constitucional da isonomia (CRFB, art. 5º, caput); quanto as condenações oriundas de relação jurídica não-tributária, a fixação dos juros moratórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido, nesta extensão, o disposto no art. 1º-F da Lei n. 9.494/97 com a redação dada pela Lei n. 11.960/09; e

 

2) "O art. 1º-F da Lei no 9.494/97, com a redação dada pela Lei n. 11.960/09, na parte em que disciplina a atualização monetária das condenações impostas a Fazenda Pública segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor restrição desproporcional ao direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se qualifica como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a promover os fins a que se destina".

 

Nada obstante a profundidade do debate e a clareza das teses firmadas, os juízes de primeiro grau identificaram possibilidade de interpretações divergentes na aplicação das teses. Adiante, são apresentadas as divergências que surgiram no curso de  processos previdenciários na Justiça Federal no Rio Grande do Norte.

 

II. FUNDAMENTAÇÃO

 

O primeiro conflito hermenêutico diz respeito à atualização monetária em matéria "previdenciária". Segundo a tese firmada pelo STF, o art. 1º-F da Lei n. 9,494/97, com a redação dada pela Lei n. 11.960/09, é inconstitucional na "parte em que disciplina a atualização monetária das condenações impostas a Fazenda Pública segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança". Por conseguinte, dever-se-ia aplicar o IPCA-E, consoante fundamentação vencedora no recurso referido.

 

Antes da redação dada pela Lei n. 11.960/09, contudo, aplicava-se, para benefícios previdenciários, o INPC - Índice Nacional de Preços ao Consumidor, conforme jurisprudência consolidada do STJ e orientação constante do Manual de Cálculo da Justiça Federal, revisto em 2013: "Uma das principais modificações no Manual refere-se ao indexador de correção monetária incidente sobre os débitos judiciais da Fazenda Pública. O Manual passa a prever que voltam a incidir como indexadores de correção monetária o índice de Preços ao Consumidor Amplo - Série Especial (IPCA-E), para as sentenças condenatórias em geral, o índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), para sentenças proferidas em ações previdenciárias e a taxa SELIC, para os créditos em favor dos contribuintes e para os casos de devedores não enquadrados como Fazenda Pública, cuja incidência engloba compensação da mora e correção monetária" (In: www.cjf.jus.br). E mais. Ainda recentemente, diversos Tribunais Federais estabelecem o INPC como índice de correção monetária em demanda previdenciária. De acordo com a legislação precedente e o Manual de Cálculo da Justiça Federal, o IPCA-E, em matéria previdenciária, incidiria apenas durante a fase de inscrição do precatório e inclusão no orçamento para pagamento.

 

Como o STF não se manifestou sobre o índice específico do INPC para demandas "previdenciárias", tal como previsto na legislação precedente a ora reconhecida inconstitucional, três linhas de interpretação do precedente surgiram. A primeira, de que seria aplicável o IPCA-E, por ter sido o índice mencionado no precedente. A segunda, de que seria aplicável o INPC, até inscrição do precatório, e IPCA-E na fase seguinte. Para esta, a declaração de inconstitucionalidade do art. 1º-F da Lei 9.494/97, com a redação dada pela Lei n. 11.960/09, restauraria a legislação anterior revogada. A terceira, de que o IPCA-E seria aplicável para os benefícios "assistenciais", enquanto que o INPC remanesceria para os benefícios "previdenciários". Registre-se, porém, que o percentual de atualização entre os benefícios previdenciários e assistenciais sempre foram unificados, em razão da semelhança econômica da verba.

 

O segundo conflito interpretativo diz respeito à eficácia do julgado. Como o julgado se deu em controle de difuso e não houve edição, ainda, de súmula vinculante, questões temporais ganham relevância. Com efeito, antes da decisão definitiva pelo STF, sentenças com trânsito em julgado adotaram índice diverso. Assim, em vários processos, a discussão pode surgir em execução, com objeção de coisa julgada inconstitucional. Ademais, ação rescisória pode ser proposta por divergência jurisprudencial constitucional, consoante tese firmada no RE nº 730.462 ("A decisão do Supremo Tribunal Federal declarando a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade de preceito normativo não produz a automática reforma ou rescisão das decisões anteriores que tenham adotado entendimento diferente. Para que tal ocorra, será indispensável a interposição de recurso próprio ou, se for o caso, a propositura de ação rescisória própria, nos termos do art. 485 do CPC, observado o respectivo prazo decadencial (art. 495)").

 

Dignos Ministros do STF, GILMAR MENDES e LUIS ROBERTO BARROSO já escreveram sobre a possibilidade de modulação dos efeitos em controle difuso, com aplicação do art. 27 da Lei 9.868199 as decisões em Recurso Extraordinário. O STF também já abordou o tema em precedentes na Corte, ADI 3.819/RS e RE 560.626/RS.

 

Por fim, anote-se que, mesmo no curso da referida repercussão geral, houve alteração de entendimento do STF, conforme decisões interlocutórias prolatadas e aplicadas pela Justiça Federal. Assim, a edição de súmula vinculante e a fixação dos termos temporais da inconstitucionalidade, podem resultar em pacificação social mais célere e efetiva. Afinal, o impacto da declaração de inconstitucionalidade é bem superior aos 90 mil processos suspensos em razão da repercussão geral.

 

III. CONCLUSÕES

 

Diante do enorme impacto processual do precedente e das dúvidas apontadas, oficie-se ao Centro Nacional de Inteligência do Conselho da Justiça Federal em Brasília, criado pela Portaria 369/2017 do CJF, para deliberação das medidas pertinentes, e ao Diretor do Núcleo de Gerenciamento de Precedentes do Supremo Tribunal Federal para conhecimento das dificuldades no cumprimento do precedente (RE n. RE 870947).

 

Natal/RN, 16 de julho de 2018.

 

JOSÉ CARLOS DANTAS TEIXEIRA DE SOUZA

Juiz Federal - Relator

 

Certifico que a presente Nota Técnica foi deliberada e aprovada pelos membros do Centro de Inteligência do Rio Grande do Norte.

 

MARIANA LUSTOSA VITAL

Diretora de Secretaria - Secretária do CI-JFRN

 

Este texto não substitui o publicado oficialmente

 

Centro Nacional de Inteligência da Justiça Federal (CIN)