Nota Técnica 17 (CIn)/2018

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26/06/2018

Promove estudo sobre processo referente a concessão de auxílio-reclusão, cujo recurso especial, do Superior Tribunal de Justiça, veio a ser também julgado pelo Supremo Tribunal Federal em sentido aparentemente incompatível com o caminho que fora adotado pela Corte Superior de Justiça

Nota Técnica n. 17/2018 Brasília, 26 de junho de 2018. Assunto: Renda do segurado a considerar para fins de concessão de auxílio-reclusão Relatora: Juíza Federal Taís Schilling Ferraz O Centro de Inteligência da Justiça Federal, criado pela Portaria CJF-POR-0369/2017, junto ao Conselho da...
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Nota Técnica n. 17/2018

 

Brasília, 26 de junho de 2018.

 

Assunto: Renda do segurado a considerar para fins de concessão de auxílio-reclusão

 

Relatora: Juíza Federal Taís Schilling Ferraz

 

O Centro de Inteligência da Justiça Federal, criado pela Portaria CJF-POR-0369/2017, junto ao Conselho da Justiça Federal - CJF, vem apresentar Nota Técnica com sugestões para a gestão de precedentes, diante de circunstâncias que estão a dificultar a plena aplicação, aos casos correlatos, de decisão do Superior Tribunal de Justiça em regime de recursos repetitivos.

 

1 RELATÓRIO

A presente nota técnica parte da identificação de que o processo cujo recurso especial, adotado como paradigma no julgamento do Tema 896, do Superior Tribunal de Justiça, veio a ser também julgado pelo Supremo Tribunal Federal em sentido aparentemente incompatível com o caminho que fora adotado pela Corte Superior de Justiça.

Relata-se, a seguir, o caminho trilhado pelo referido processo:

No âmbito do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, foram julgadas duas apelações que versavam sobre o momento em que deveria ser aferida a renda do segurado desempregado recolhido à prisão, para fins de percepção do benefício de auxílio-reclusão, se o do último salário de contribuição em atividade ou se o do período subsequente à perda do emprego (enquanto mantida a condição de segurado), caso em que o critério seria o da ausência de renda. A Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em síntese, ao julgar os apelos, reconheceu o direito ao benefício de auxílio-reclusão, tomando por base a ausência de renda, diante da condição de desemprego dos segurados no momento em que recolhidos à prisão, o que garantia o enquadramento no limite legal para a concessão do benefício:

"Considerando que o segurado recluso não percebia renda à época de seu recolhimento à prisão, vez que estava desempregado, há que se reconhecer que restaram preenchidos os requisitos necessários para a concessão do provimento antecipado."

Desta decisão, adotada em ambos os processos, interpôs o INSS recursos especiais e extraordinários, alegando, em síntese, que o critério a ser considerado para aferição da remuneração do segurado desempregado seria o valor do seu último salário de contribuição enquanto ainda em atividade e não a ausência de renda, o que, no caso concreto, considerando que o último salário de contribuição enquanto empregado ultrapassava o limite regulamentar para enquadramento nas condições do benefício, resultaria na improcedência da demanda em ambos os feitos.

Os recursos especiais e extraordinários foram inadmitidos pela Vice-Presidência do TRF3. Interpostos agravos para admissibilidade dos mesmos, os AREsps subiram ao STJ e os ARE permaneceram sobrestados no TRF3, aguardando julgamento dos primeiros, nos termos do art. 543 do CPC/1973 (art. 1013 do CPC/2015). No Superior Tribunal de Justiça, os AREsps foram providos, convertidos nos REsps 1.485.416/SP e 1.485.417/MS e reconhecidos como representativos da seguinte controvérsia:

Definir o critério de renda (se o último salário de contribuição ou a ausência de renda) do segurado que não exerce atividade remunerada abrangida pela Previdência Social no momento do recolhimento à prisão para a concessão do benefício auxílio-reclusão (art. 80 da Lei 8.213/1991).

Houve o julgamento do mérito do REsp 1.485.417/MS, ocasião em que firmada a tese e desprovido o recurso:

 

RECURSO ESPECIAL. MATÉRIA REPETITIVA. ART. 543-C DO CPC/1973 (ATUAL 1.036 DO CPC/2015) E RESOLUÇÃO STJ 8/2008. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. AUXÍLIO-RECLUSÃO. SEGURADO DESEMPREGADO OU SEM RENDA EM PERÍODO DE GRAÇA. CRITÉRIO ECONÔMICO. MOMENTO DA RECLUSÃO.

AUSÊNCIA DE RENDA. ÚLTIMO SALÁRIO DE CONTRIBUIÇÃO AFASTADO.

CONTROVÉRSIA SUBMETIDA AO RITO DO ART. 543-C DO CPC/1973 (ATUAL 1.036 DO CPC/2015) 1. A controvérsia submetida ao regime do art.

543-C do CPC/1973 (atual 1.036 do CPC/2015) e da Resolução STJ 8/2008 é: "definição do critério de renda (se o último salário de contribuição ou a ausência de renda) do segurado que não exerce atividade remunerada abrangida pela Previdência Social no momento do recolhimento à prisão para a concessão do benefício auxílio-reclusão (art. 80 da Lei 8.213/1991)". FUNDAMENTOS DA RESOLUÇÃO DA CONTROVÉRSIA 2. À luz dos arts. 201, IV, da Constituição Federal e 80 da Lei 8.213/1991, o benefício auxílio-reclusão consiste na prestação pecuniária previdenciária de amparo aos dependentes do segurado de baixa renda que se encontra em regime de reclusão prisional. 3. O Estado, através do Regime Geral de Previdência Social, no caso, entendeu por bem amparar os que dependem do segurado preso e definiu como critério para a concessão do benefício a "baixa renda".

4. Indubitavelmente o critério econômico da renda deve ser constatado no momento da reclusão, pois nele é que os dependentes sofrem o baque da perda do seu provedor.

5. O art. 80 da Lei 8.213/1991 expressa que o auxílio-reclusão será devido quando o segurado recolhido à prisão "não receber remuneração da empresa".

6. Da mesma forma o § 1º do art. 116 do Decreto 3.048/1999 estipula que "é devido auxílio-reclusão aos dependentes do segurado quando não houver salário-de-contribuição na data do seu efetivo recolhimento à prisão, desde que mantida a qualidade de segurado", o que regula a situação fática ora deduzida, de forma que a ausência de renda deve ser considerada para o segurado que está em período de graça pela falta do exercício de atividade remunerada abrangida pela Previdência Social. (art. 15, II, da Lei 8.213/1991).

7. Aliada a esses argumentos por si sós suficientes ao desprovimento do Recurso Especial, a jurisprudência do STJ assentou posição de que os requisitos para a concessão do benefício devem ser verificados no momento do recolhimento à prisão, em observância ao princípio tempus regit actum. Nesse sentido: AgRg no REsp 831.251/RS, Rel. Ministro Celso Limongi (Desembargador convocado do TJ/SP), Sexta Turma, DJe 23/5/2011; REsp 760.767/SC, Rel. Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, DJ 24/10/2005, p. 377; e REsp 395.816/SP, Rel. Ministro Fernando Gonçalves, Sexta Turma, DJ 2/9/2002, p. 260. TESE PARA FINS DO ART. 543-C DO CPC/1973

8. Para a concessão de auxílio-reclusão (art. 80 da Lei 8.213/1991), o critério de aferição de renda do segurado que não exerce atividade laboral remunerada no momento do recolhimento à prisão é a ausência de renda, e não o último salário de contribuição.

CASO CONCRETO 9. Na hipótese dos autos, o benefício foi deferido pelo acórdão recorrido no mesmo sentido do que aqui decidido.

10. Recurso Especial não provido. Acórdão submetido ao regime do art. 1.036 do CPC/2015 e da Resolução 8/2008 do STJ.

(REsp 1.485.417/MS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 22/11/2017, DJe 2/2/2018)

 

O outro recurso especial representativo da mesma controvérsia - REsp 1.485.416 - foi desafetado e desprovido, com aplicação da tese já então firmada, por ter o STJ considerado que o REsp 1.485.416 já trazia fundamentos suficientes para figurar como representativo da controvérsia.

Em ambos os casos, o INSS não interpôs recurso extraordinário da decisão do Superior Tribunal de Justiça.

Nos dois casos, porém, os Agravos em Recurso Extraordinário, que estavam sobrestados no TRF3, diante do desprovimento dos Recursos Especiais, foram remetidos ao Supremo Tribunal Federal.

O processo em que o REsp 1.485.416 havia sido desafetado e que fora desprovido no STJ com aplicação da tese firmada em seu similar, foi distribuído, no STF, ao Ministro Dias Toffoli, por remessa do TRF3. Trata-se do ARE 1.121.629/SP, que teve seguimento negado, por entender o relator que o seu exame revolveria matéria de fato e a legislação infraconstitucional:

 

Vistos. Trata-se de agravo contra a decisão que não admitiu recurso extraordinário interposto contra acórdão da Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região que, em síntese, confirmou a sentença que deferiu a concessão do benefício de auxílio-reclusão.

Opostos embargos de declaração, foram rejeitados.

No recurso extraordinário sustenta-se violação dos artigos 194, parágrafo único, e 201, inciso IV, da Constituição Federal.

Decido. A irresignação não merece prosperar, haja vista que a Corte de origem reconheceu o direito dos autores, ora recorridos, ao benefício do auxílio-reclusão em questão, amparada no conjunto fático-probatório dos autos e na legislação infraconstitucional pertinente, ambos de reexame vedado em sede recursal extraordinária. Incidência, na espécie, das Súmulas 279 e 636 da Suprema Corte. Nesse sentido:

"Agravo regimental em recurso extraordinário com agravo. 2. Direito Administrativo. Policial militar. Auxílio-reclusão. 3. Preenchimento dos requisitos para concessão do auxílio- reclusão. Necessidade de revolvimento do acervo fático-probatório e da legislação local. Súmulas 279 e 280. 4. Ausência de argumentos suficientes a infirmar a decisão recorrida. 5. Agravo regimental a que se nega provimento" (ARE 702.966/BA-AgR, Segunda Turma, Relator o Ministro Gilmar Mendes, DJe 16/6/15).

"DIREITO PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. AUXÍLIO-RECLUSÃO. REQUISITOS. CONTROVÉRSIA QUE DEMANDA ANÁLISE DE LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL. REAPRECIAÇÃO DOS FATOS E DO MATERIAL PROBATÓRIO CONSTANTES DOS AUTOS. SÚMULA 279/STF. 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que a matéria relativa ao cumprimento dos requisitos para concessão de benefícios previdenciários não tem natureza constitucional, justamente por tratar-se de matéria infraconstitucional e demandar o reexame do acervo probatório dos autos. 2. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental a que se nega provimento" (ARE n. 855.037/SP-ED, Primeira Turma, Relator o Ministro Roberto Barroso, DJe de 3/6/15). "Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo. Auxílio-reclusão. Prequestionamento. Ausência. Preenchimento dos requisitos para percepção do benefício. Legislação infraconstitucional. Ofensa reflexa. Fatos e provas. Reexame. Impossibilidade. Precedentes. 1. Não se admite o recurso extraordinário quando o tema nele suscitado não está devidamente prequestionado. Incidência das Súmulas n. 282 e 356/STF. 2. Inadmissível, em recurso extraordinário, a análise da legislação infraconstitucional e o reexame de fatos e das provas dos autos. Incidência das Súmulas n. 636 e 279/STF. 3. Agravo regimental não provido." (ARE n. 791.166/RS-AgR, Primeira Turma, de minha relatoria, DJe de 7/5/14).

"AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. IMPOSSIBILIDADE DO REEXAME DE PROVAS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 279 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO" (AI 782.536/PR-AgR, Primeira Turma, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, DJe de 24/9/10).

Nesse mesmo sentido, as seguintes decisões monocráticas: ARE n. 884.268/PR, Relator o Ministro Gilmar Mendes, DJe de 6/5/15; ARE n. 818.216/SP, de minha relatoria, DJe de 18/12/14; e ARE n. 784.857/RS, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, DJe de 2/12/13.

Ante o exposto, nos termos do artigo 21, § 1º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, nego seguimento ao recurso.

Publique-se. Brasília, 16 de abril de 2018. Ministro Dias Toffoli Relator"

 

A decisão transitou em julgado. O processo que teve REsp 1.485.417 julgado como representativo da controvérsia, foi distribuído, no STF, tornando-se o ARE 1.122.222, foi julgado também monocraticamente, porém com provimento do recurso do INSS, uma vez que o relator no STF, Ministro Marco Aurélio, entendeu que a decisão na origem seria contrária ao entendimento firmado pelo STF em recurso extraordinário com tema de repercussão geral:

 

DECISÃO RECURSO EXTRAORDINÁRIO - AUXÍLIO-RECLUSÃO - REPERCUSSÃO GERAL - PROVIMENTO.

1. O Tribunal Regional Federal da 3ª Região, reformando o entendimento do Juízo, julgou procedente o pedido de concessão de auxílio reclusão. No extraordinário, o recorrente alega violado o artigo 201, inciso IV, da Constituição Federal.

Discorre sobre a ilegalidade do deferimento do benefício, ante o valor do último salário de contribuição - acima do previsto na legislação de regência.

2. Colho da decisão recorrida os seguintes fundamentos: Com efeito, a qualidade de segurado de detento restou demonstrada nos autos, consoante dados do CNIS (73/75), onde se verifica que seu último contrato de trabalho findou em abril de 2008, sendo que o salário-de-contribuição correspondia a R$ 2.185,36, relativo ao mês de março de 2008, acima, portanto do valor fixado no artigo 13 da Emenda Constitucional no 20, de 15/12/1998, equivalente a R$ 360,00, atualizado para R$ 710.08 pela Portaria n. 77, de 11/3/2008.

O acórdão impugnado está em confronto com o decidido no recurso extraordinário n. 587.365, julgado sob a óptica da repercussão geral, tendo ementa do seguinte teor:

PREVIDENCIÁRIO. CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AUXÍLIO-RECLUSÃO. ART. 201, IV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. LIMITAÇÃO DO UNIVERSO DOS CONTEMPLADOS PELO AUXÍLIO-RECLUSÃO. BENEFÍCIO RESTRITO AOS SEGURADOS PRESOS DE BAIXA RENDA. RESTRIÇÃO INTRODUZIDA PELA EC 20/1998. SELETIVIDADE FUNDADA NA RENDA DO SEGURADO PRESO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO. I - Segundo decorre do art. 201, IV, da Constituição, a renda do segurado preso é a que deve ser utilizada como parâmetro para a concessão do benefício e não a de seus dependentes. II - Tal compreensão se extrai da redação dada ao referido dispositivo pela EC 20/1998, que restringiu o universo daqueles alcançados pelo auxílio-reclusão, a qual adotou o critério da seletividade para apurar a efetiva necessidade soa beneficiários. III. Diante disso. O art. 116 do Decreto 3.048/1999 não padece do vício de inconstitucionalidade. IV. Recurso extraordinário conhecido e provido. 3. Ante o quadro, conheço do agravo e o provejo. Julgo desde logo o extraordinário, conhecendo-o e provendo-o para, reformando o acórdão recorrido, restabelecer o contido na sentença. 4. Publiquem. Brasília, 24 de abril de 2018.

Ministro MARCO AURÉLIO

Relator

 

A sucessão de decisões referidas, adotadas no âmbito dos Tribunais Superiores, em especial no processo em que firmada a tese sobre o Tema 896 do STJ, cujo resultado final parece contradizer o entendimento adotado pela Corte Superior, resulta na dúvida quanto à prevalência dos efeitos vinculantes que proviriam do julgamento da questão no regime dos recursos repetitivos. No âmbito dos TRFs e das Turmas Recursais há entendimentos divergentes quanto à interpretação a ser dada à controvérsia sobre o momento de aferição da renda do segurado que vem a ser preso na condição de desempregado.

 

2 JUSTIFICATIVA

Compete ao Centro Nacional de Inteligência da Justiça Federal, no âmbito da gestão de precedentes, identificar e propor alternativas de solução às situações em que se identifiquem dificuldades na aplicação de precedentes qualificados, que possam comprometer a segurança jurídica e a própria efetividade do sistema de precedentes (art. 2º, II, d, da Portaria 369/2017).

No caso em análise, a situação acima relatada está a causar alguma insegurança quanto à permanência dos efeitos vinculantes advindos do precedente firmado no REsp 1.485.417, pois a decisão final adotada pelo Supremo Tribunal Federal, no mesmo processo, proveu recurso do INSS, substituindo o acórdão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que fora mantido, em decisão anterior, sob outro viés, pelo Superior Tribunal de Justiça.

A situação parece ter se originado do grande volume processual e da inexistência de controles informatizados e rotinas suficientemente desenvolvidas e que sejam capazes de identificar os processos tomados como representativos de controvérsia e tornados paradigmas pelos Tribunais Superiores, de forma a garantir, em todas as instâncias e perante todos os que sobre tais processos exercerem atribuições, que tenham tramitação diferenciada, diante dos efeitos expansivos que os respectivos julgados produzem ou tendem a produzir. Em tais condições, passa-se à análise mais detida do teor dos julgamentos propondo-se, ao final, alternativas para o esclarecimento da problemática retratada.

 

3 FUNDAMENTAÇÃO

Sem entrar no debate quanto à eventual relação de prejudicialidade entre os recursos especiais e extraordinários, o que não foi objeto de análise no âmbito do tribunal de segundo grau e dos Tribunais Superiores, é fato incontestável que a decisão final adotada no processo, que originou o precedente do STJ no Tema 896, foi uma decisão do STF e que esta decisão proveu o recurso do INSS para, no caso concreto, afastar o direito ao auxílio-reclusão.

É certo também, que o STF considera que o parâmetro para ser utilizado para aferição do critério socioeconômico à concessão do benefício é o salário de contribuição do segurado, diante da renda de seus dependentes.

Também pode-se afirmar que não se confundem o salário de contribuição do segurado com o critério de ausência de renda.

Evidencia-se, também, do teor da decisão monocrática no ARE 1.122.222, prolatada pelo Ministro Marco Aurélio, Relator, que não houve incursão direta sobre a questão que fora objeto de afetação e de análise pelo Superior Tribunal de Justiça. Talvez o que se possa cogitar é que, com a reafirmação de precedente anterior, o Ministro considerou prejudicada a tese construída pelo STJ.

A decisão da Suprema Corte baseou-se no próprio precedente anterior, em que a controvérsia era saber se a renda a ser considerada, para fins de enquadramento no limite regulamentar, era a do segurado que foi preso ou a do respectivo grupo familiar. Naquele precedente, decidiu-se que seria a renda do segurado preso (seu salário de contribuição), incursionando-se sobre a seletividade aplicável ao benefício do auxílio-reclusão, para assentar-se a constitucionalidade do estabelecimento de um limite de renda para que o benefício seja assegurado aos familiares. Não houve debate sobre a situação do segurado desempregado e, em consequência, sobre o momento em que se teria que considerar sua renda: se seria o do último salário de contribuição de seu último emprego, caso em que o respectivo valor seria tomado para enquadramento, ou se seria o da própria prisão, caso em que, segundo o TRF3 e o STJ, adotar-se-ia a ausência de renda para fins de enquadramento.

A leitura da decisão monocrática proferida pelo Ministro Marco Aurélio e do precedente que invocou, do próprio STF, permite a conclusão de que esta questão não foi decidida pela Suprema Corte.

Neste contexto, salvo melhor juízo, seria possível sustentar, à luz da abstração das questões levadas ao exame no regime dos recursos repetitivos ou da repercussão geral, que a decisão do STF não anulou, por não ter avaliado ou rechaçado diretamente a ratio decidendi, os efeitos do precedente firmado pelo STJ.

Explica-se:

A escolha de recursos representativos de controvérsia, no âmbito dos Tribunais Superiores, para julgamento de temas repetitivos ou com repercussão geral, é feita de maneira a permitir que as cortes de precedentes decidam, de forma abrangente, questões constitucionais e infraconstitucionais que tenham repercussão geral ou que tenham a nota da repetitividade. Os recursos selecionados, além de conterem conflitos sobre direito individual, são instrumentos para que se firme o entendimento sobre a interpretação de normas legais e constitucionais, cuja incidência afeta um grande número de pessoas e de processos.

Convive-se com a possibilidade de soluções diversas para o recurso individual selecionado e para a controvérsia constitucional ou infraconstitucional em si, que está retratada naquele recurso individual. Esta questão se abstrai do recurso representativo para ser decidida com efeitos expansivos no modelo brasileiro de precedentes. Não raro, as Cortes Superiores desafetam recursos inicialmente selecionados como representativos para escolher outros que, de forma mais direta ou abrangente, tratem da questão a ser solucionada. Também não são incomuns os casos em que as partes desistem ou transigem nos recursos candidatos a serem paradigmas no STF e no STJ. Em tais situações, para não inviabilizar as soluções individuais, os ministros afetam outros recursos sobre os mesmos temas para levá-los a julgamento como paradigmas. Há situações em que se firma o entendimento nos Tribunais Superiores sobre a questão constitucional ou infraconstitucional, porém a rule não pode ser, ao final, aplicada ao caso que fora eleito como paradigma, pois isto resultaria em reformatio in pejus, ou, mesmo aplicada, não seria suficiente para garantir à parte a quem aproveitaria a tese, o sucesso na demanda.

Trata-se do fenômeno da objetivação dos recursos especial e extraordinário no regime de formação dos precedentes qualificados, típico do modelo de precedentes ainda em construção.

Tal circunstância poderia justificar o entendimento de que a força vinculante do precedente do STJ firmado no Tema 896 se mantém hígida, independentemente de não ter obtido o segurado o sucesso na demanda específica.

No caso em exame, há outro elemento que poderia encorajar o entendimento sobre a higidez do precedente do STJ. O STF já considerou que a aferição da renda do segurado preso, para fins de auxílio-reclusão exige o revolvimento de matéria de fato ou caracteriza ofensa apenas reflexa ao texto constitucional e, com base em tal entendimento, não comporta recurso extraordinário. Neste sentido o julgamento do RE 866.137 AgR, em que Relatora a Min. ROSA WEBER:

 

DIREITO PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-RECLUSÃO. BENEFÍCIO RESTRITO AOS SEGURADOS PRESOS DE BAIXA RENDA. PARÂMETRO PARA CONCESSÃO. REMUNERAÇÃO DO PRESO. DECRETO N. 3.048/1999, ART. 116. CONSONÂNCIA DA DECISÃO RECORRIDA COM A JURISPRUDÊNCIA CRISTALIZADA NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO QUE NÃO MERECE TRÂNSITO. REELABORAÇÃO DA MOLDURA FÁTICA. PROCEDIMENTO VEDADO NA INSTÂNCIA EXTRAORDINÁRIA. ACÓRDÃO RECORRIDO PUBLICADO EM 26/6/2014. O Plenário desta Corte, no exame do RE n. 587.365/SC-RG, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, concluiu pela existência de repercussão geral da matéria e, no mérito, assentou que a remuneração a ser levada em consideração para fins de concessão do auxílio-reclusão é a do preso, e não a de seus dependentes. Tal compreensão se extrai da redação dada ao referido dispositivo pela EC 20/1998, que restringiu o universo daqueles alcançados pelo auxílio-reclusão, a qual adotou o critério da seletividade para apurar a efetiva necessidade dos beneficiários. Diante disso, o art. 116 do Decreto 3.048/1999 não padece do vício da inconstitucionalidade. O entendimento adotado pela Corte de origem, nos moldes do que assinalado na decisão agravada, não diverge da jurisprudência firmada no âmbito deste Supremo Tribunal Federal. Entender de modo diverso demandaria a reelaboração da moldura fática delineada no acórdão de origem, o que torna oblíqua e reflexa eventual ofensa, insuscetível, portanto, de viabilizar o conhecimento do recurso extraordinário. Precedentes. As razões do agravo regimental não se mostram aptas a infirmar os fundamentos que lastrearam a decisão agravada. Agravo regimental conhecido e não provido.

 

O entendimento justificaria o fato de que o tema específico, aqui tratado, não foi afetado até o momento como tendo repercussão geral.

No entanto, a leitura da decisão monocrática do Ministro Marco Aurélio no processo em que firmada a tese sobre o Tema 896 do STJ, a contrario sensu, permitiria a conclusão de que houve deliberação quanto à tese para afastá-la ou, ao menos, para torná-la prejudicada.

Quando o Ministro, após declinar o valor da renda do segurado, afirma que esta deve ser considerada, e que, nos termos do precedente do STF que foi invocado, é válido o critério da seletividade, e, mais ainda, que, em razão disto, o recurso do INSS deve ser provido, é possível daí concluir que resultou prejudicado o debate quanto à possibilidade de se considerar inexistente a renda, para fins de obtenção do benefício. Tratava-se, afinal, de segurado desempregado e o STF, diferentemente do que fazia o STJ, não decidia em tese, mas apenas para o caso concreto. E, se decidiu apenas para o caso concreto, caminhando em sentido contrário ao STJ, no mesmo processo, haverá quem sustente, validamente, que o precedente do STJ perdeu o sentido.

Analisando-se detidamente o precedente do STF, invocado pelo Ministro Marco Aurélio, percebe-se que os ministros debateram sobre a questão da seletividade do benefício do auxílio-reclusão, considerando constitucional e razoável o estabelecimento de limites de renda. Afirmou-se que deve-se ter como parâmetro a contribuição que o segurado preso trazia para o sustento da família, o que, em se tratando de segurado desempregado, poderia ser interpretado como razão para o próprio indeferimento do auxílio-reclusão.

O ideal, portanto, é que as Cortes Superiores esclareçam qual entendimento deve ser adotado, evitando-se perplexidade, insegurança jurídica e prejuízo à isonômica aplicação de seus precedentes.

 

4 CONCLUSÃO

Diante de todo o exposto, o Centro Nacional de Inteligência da Justiça Federal propõe o envio desta Nota Técnica à Comissão Gestora de Precedentes do Superior Tribunal de Justiça para que:

a) em conjunto com o Relator do recurso representativo de controvérsia e que foi julgado como paradigma - REsp 1.485.417, Ministro Herman Benjamin, seja avaliada a possibilidade de ser suscitada Questão de Ordem, perante a Seção, com o objetivo de esclarecer se a tese fixada no referido recurso se mantém hígida perante a decisão monocrática do STF que, no mesmo processo, proveu o recurso extraordinário do INSS que também se originou do mesmo acórdão do TRF da 3ª Região que ensejou o REsp em referência; ou para que delibere sobre a conveniência da afetação de novo recurso representativo da mesma controvérsia que originou o Tema 896; b) em qualquer das hipóteses acima, delibere sobre eventual expedição de orientação aos Tribunais, TNU e Turmas Recursais sobre o tratamento a ser dado aos feitos repetitivos durante esta fase em que avaliada a higidez do precedente do REsp 1.485.417;

c) delibere sobre a conveniência de sugerir aos ministros que, quando possível, afetem e julguem dois ou mais processos como recursos representativos das controvérsias, deixando de adotar a metodologia de desafetar os anteriormente selecionados sobre o mesmo tema; e

d) delibere sobre a conveniência de adotar rotina, que viabilize que o STF seja comunicado sobre a pendência de recurso extraordinário na origem (de decisões dos TRFs e da TNU), nos processos adotados no STJ como representativos da controvérsia e que foram julgados no regime de recursos repetitivos, independentemente da interposição de recurso extraordinário contra a decisão do próprio STJ.

Sugere-se, ainda, o envio desta Nota Técnica aos Tribunais Regionais Federais, órgãos de admissibilidade de recursos extraordinários nas Turmas Recursais, Turma Nacional de Uniformização e ao Supremo Tribunal Federal para que, diante da tramitação dos processos entre tais órgãos, avaliem a conveniência da adoção de uma rotina para a detecção e identificação de processos que tenham sido selecionados previamente como representativos de controvérsia e que, como tal, tenham sido decididos na condição de paradigmas, de forma a garantir que tenham tramitação diferenciada, perante os naturais efeitos expansivos que já irradiam os correspondentes julgados.

Por fim, propõe-se o envio desta Nota Técnica aos NUGEPs dos TRFs para que avaliem a conveniência de orientar os magistrados da Região, no âmbito da Justiça Federal comum e dos Juizados Especiais, quanto ao sobrestamento ou não dos processos sobre o tema, ora em apreciação, diante da situação aqui retratada e dos demais encaminhamentos propostos.¿

 

Este texto não substitui o publicado oficialmente

 

Centros de Inteligência da Justiça Federal