Nota Técnica 16 (CIn)/2018

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26/06/2018

Promove estudo sobre o alcance e extensão do art. 45, §§ 1º e 2º, do CPC em confronto com a Súmula 489 do STJ, nos casos em que se verifique a excepcionalidade de reunião de processos continentes. O caso Samarco e Barragem do Fundão.

Nota Técnica n. 16/2018 Brasília, 26 de junho de 2018. Assunto: Estudo sobre o alcance e extensão do art. 45, §§ 1º e 2º, do CPC em confronto com a Súmula 489 do STJ, nos casos em que se verifique a excepcionalidade de reunião de processos continentes. O caso Samarco e Barragem do...
Texto integral

Nota Técnica n. 16/2018

 

Brasília, 26 de junho de 2018.

 

Assunto: Estudo sobre o alcance e extensão do art. 45, §§ 1º e 2º, do CPC em confronto com a Súmula 489 do STJ, nos casos em que se verifique a excepcionalidade de reunião de processos continentes. O caso Samarco e Barragem do Fundão.

 

Relator: Juiz Federal Raphael José de Oliveira Silva

Revisor: Erik Frederico Gramstrup

 

1 RELATÓRIO

O Centro de Inteligência da Justiça Federal, criado pela Portaria CJF-POR-0369/2017, junto ao Conselho da Justiça Federal - CJF, vem apresentar Nota Técnica com sugestões para a gestão do acervo de demandas judiciais repetitivas ou de massa.

A sugestão de estudo foi elaborada pelo i. Desembargador Afrânio Vilela, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, durante a reunião do grupo operacional ocorrida em 17 de maio de 2018, na cidade de Fortaleza. O objetivo é a apresentação de sugestões para o equacionamento da aplicação da Súmula 489 do Superior Tribunal de Justiça e a superveniência do art. 45 do CPC.

A proposta tem dois contextos: um amplo, outro específico. O primeiro diz respeito ao rompimento da Barragem de Fundão, da mineradora Samarco, em Mariana (MG), que representa o maior desastre socioambiental do país no setor de mineração, com o lançamento de 34 milhões de metros cúbicos de rejeitos no meio ambiente. A onda de rejeitos, composta principalmente por óxido de ferro e sílica, soterrou o subdistrito de Bento Rodrigues e deixou um rastro de destruição até o litoral do Espírito Santo, percorrendo 663,2 km de cursos d'água.

Foram identificados ao longo do trecho atingido diversos danos socioambientais: isolamento de áreas habitadas; desalojamento de comunidades pela destruição de moradias e estruturas urbanas; fragmentação de hábitats; destruição de áreas de preservação permanente e vegetação nativa; mortandade de animais domésticos, silvestres e de produção; restrições à pesca; dizimação de fauna aquática silvestre em período de defeso; dificuldade de geração de energia elétrica pelas usinas atingidas; alteração na qualidade e quantidade de água; e sensação de perigo e desamparo da população em diversos níveis.

Essa descrição mostra o desafio que se coloca aos inúmeros atores para a equalização das consequências desse desastre e ao Poder Judiciário.

O contexto específico parte da identificação de demandas que envolvem potencial conflito de competência entre a Justiça Estadual e Justiça Federal para julgamento de parte das ações relativas ao rompimento da Barragem do Fundão, da Samarco Mineração S/A. Depreendem-se da proposta de estudo, ao menos duas perspectivas de análise. A primeira é conceitual, a qual demanda análise da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça ante a dinâmica de aplicação do art. 45 do CPC e a Súmula 489. A segunda requer foco na relação interinstitucional entre Justiça Federal e Justiça Estadual de Minas Gerais. Ambas as perspectivas, por sua vez, desafiam posição a respeito das atribuições dos Centros Nacional e Locais da Justiça Federal.

 

2 JUSTIFICATIVA

O pano de fundo para a análise proposta consiste nos processos relativos à Samarco Mineração S/A, no episódio do rompimento da Barragem do Fundão.

 

2.1 - Análise conceitual do art. 45 e da Súmula 489 do Superior Tribunal de Justiça

Sob a égide do Código de Processo Civil de 1973 foi editado o enunciado de Súmula 489 do Superior Tribunal de Justiça:

"Súmula 489 - "Reconhecida a continência, devem ser reunidas na Justiça Federal as ações civis públicas propostas nesta e na Justiça Estadual."

O art. 45 do Novo Código de Processo Civil, por sua vez, tem a seguinte redação:

"Art. 45. Tramitando o processo perante outro juízo, os autos serão remetidos ao juízo federal competente se nele intervier a União, suas empresas públicas, entidades autárquicas e fundações, ou conselho de fiscalização de atividade profissional, na qualidade de parte ou de terceiro interveniente, exceto as ações: I - de recuperação judicial, falência, insolvência civil e acidente de trabalho;

II - sujeitas à Justiça eleitoral e à Justiça do trabalho.

§ 1o Os autos não serão remetidos se houver pedido cuja apreciação seja de competência do juízo perante o qual foi proposta a ação.

§ 2o Na hipótese do § 1o, o juiz, ao não admitir a cumulação de pedidos em razão da incompetência para apreciar qualquer deles, não examinará o mérito daquele em que exista interesse da União, de suas entidades autárquicas ou de suas empresas públicas.

§ 3o O juízo federal restituirá os autos ao juízo estadual sem suscitar conflito se o ente federal cuja presença ensejou a remessa for excluído do processo. "

Segundo a proposta de estudo, a Súmula foi editada durante a vigência do CPC de 1973, devendo, todavia, ser interpretada segundo a nova ordem processual civil. Isso porque o §1º do art. 45 do NCPC teria inovado ao possibilitar que ações com pedidos cumulados, envolvendo competências distintas, não sejam automaticamente remetidas à Justiça Federal, tal qual ocorria sob a égide do Código de 1973.

O novo dispositivo legal, ao permitir a análise preambular dos pedidos, com a extinção daqueles pleiteados em juízo incompetente, traria agilidade para a resolução dos conflitos e, consequentemente, maior efetividade à prestação jurisdicional. Estaria inviabilizado, nesta específica leitura do art. 45 do atual CPC, o envio do feito a outra Justiça em razão da competência, mitigando-se, assim, o que determina o enunciado da Súmula 489 do STJ.

Caso haja cumulação de pedidos, aqueles cuja competência não for do juízo perante o qual a ação foi proposta, deveriam ser extintos sem resolução do mérito (§ 2º), cabendo ao magistrado analisar aqueles de sua competência (§ 1º). O autor deveria ajuizar nova ação perante o juízo competente. Em outras palavras, a alteração legislativa resultaria na seguinte conclusão: se houvesse, na Justiça Federal, pedido cuja competência para análise fosse da Justiça Estadual, caberia ao magistrado julgá-lo extinto, nos termos dos citados §§1º e 2º do art. 45 do NCPC.

 

3 FUNDAMENTAÇÃO

A despeito da bem-elaborada representação do problema - que pode desafiar oportunamente a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, com eventual releitura do enunciado da Súmula 489 da egrégia Corte -, não estão presentes os pressupostos de atuação do Centro Nacional de Inteligência, quanto às atribuições ao gerenciamento de precedentes, por exemplo, subsidiar a afetação de recurso repetitivo (art. 2º, II, b, da Resolução CJF-POR-2017/00369).

Seria prematuro indicar ao Superior Tribunal de Justiça referida situação jurídica como descumpridora da aplicação do entendimento firmado em casos repetitivos a processos correlatos, nos termos do art. 2º, II, d, da Resolução CJF-POR-2017/00369.

A exata extensão da aplicação do art. 45 do CPC suscita discussão nas instâncias inferiores, não tendo, porém, tornado-se representativa de controvérsia para submissão ao sistema de precedentes do Superior Tribunal de Justiça.

Centro Local de Minas Gerais: diálogo interinstitucional entre Justiça Federal e Estadual

O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Conflito de Competência n.144.992/MG, entendeu haver interesse da União nas causas relativas ao rompimento da Barragem da Samarco, atraindo a competência da Justiça Federal, quando envolvesse interesse interestadual, em que a questão perpassasse pela degradação de bem público federal (Rio Doce) e suas consequências sociais e ambientais, bem como por se tratar de acidente ocorrido em razão de atividade minerária, cuja outorga cabe à União. Há pedidos, na perspectiva da formulação da proposta de estudo, que apresentam distinção que desafiariam a ratio da decisão citada. Nesse sentido, não tangenciam a degradação do Rio Doce ou a própria exploração minerária, a Ação Civil Pública ajuizada pelo MPE (Proc. n. 0521.16.012074-2), cuja pretensão ministerial é a reparação das propriedades situadas na zona rural do Município de Barra Longa-MG.

Outro exemplo de ação que foi ajuizada em diversas comarcas de Minas Gerais, especialmente naquelas banhadas pelo Rio Doce, e que foram remetidas à Justiça Federal, refere-se ao fornecimento de água potável aos munícipes, bem como ao monitoramento e despoluição do Rio Doce (pedidos cumulados).

O já citado Conflito de Competência n. 144.992/MG resolveu a divergência, reconhecendo a competência da Justiça Federal (12ª Vara Federal da Secção Judiciária de Minas Gerais) para dirimir as controvérsias relativas à despoluição e monitoramento das águas do Rio Doce, como também à distribuição de água à população. Na perspectiva da proposta de estudo apresentada ao Centro Nacional, não teria sido aplicado o disposto nos §§1º e 2º do art. 45.

Na Ação Civil Pública n. 5047686-32.2016.8.413.0024, o Ministério Público Estadual pretendeu que a Samarco tomasse medidas emergenciais imediatas de interrupção do vazamento da lama da Barragem do Fundão, de modo a mitigar os efeitos do desastre, bem como a reconstrução do Complexo Minerário, afastando o risco de novos desmoronamentos. Feita a descrição do contexto que se apresenta para estudo, é possível depreender alguns pontos que dizem diretamente respeito às competências do Centro Local de Minas Gerais e do Centro Local do Espírito Santo, onde se tem conhecimento de ações que tratam do acidente ambiental. Isso conduz à configuração do interesse afeto aos Centros Locais citados para prosseguimento de estudos, em plena consonância com as atribuições previstas no art. 9º, II e III, da Resolução CJF-POR-2017/00369, in verbis:

II - identificar e monitorar, por meio de estudos e levantamentos, incluindo dados estatísticos, as demandas judiciais repetitivas ou de massa, bem como os temas que apresentam maior número de controvérsias;

III - propor ou realizar estudos sobre as causas, consequências do excesso de litigiosidade e estimativa de custo econômico das demandas identificadas no âmbito de competência jurisdicional da Seção;

A pesquisa que antecedeu a presente nota recebeu informações da Justiça Estadual de Minas Gerais, que dão conta da quantidade de processos em trâmite naquela Justiça Estadual, em primeira e segunda instâncias.

 

Feitos distribuídos nas Primeira e Segunda Instâncias do TJMG que tenham como uma das partes a SAMARCO e com assuntos processuais CNJ que possam contemplar ações relacionadas ao desastre ambiental da Barragem de Fundão e Santarém, ocorrido em 5 de novembro de 2015. Rótulos de Linha ---- Contagem de Processo

Câmaras de Demandas Repetitivas ---- 431

Câmaras de Direito Privado ---- 490

Câmaras de Direito Público ---- 64

CÍVEL ---- 29

CÍVEL INTERIOR ---- 3.356

CÍVEL/FALÊNCIA/REG ---- 4

JESP CÍVEL ---- 55.718

SECRETARIA DO JUÍZO ---- 940

TURMA RECURSAL CÍVEL ---- 355

Total Geral ---- 61.387

 

Logo, o passo que se vislumbra é a obtenção, pelos Centros Locais, de dados similares em relação ao impacto destas ações na Justiça Federal de Minas Gerais e na Justiça Federal do Espírito Santo.

Na sequência, extrai-se outra atribuição do Centro Local, nos termos do art. 9º, IV, da Resolução CJF-POR-2017/00369, que vai ao encontro da perspectiva interinstitucional para encaminhar a equalização do caso em estudo:

IV - convidar as partes e advogados, públicos ou privados, com o objetivo de buscar a rápida solução para litígios que estejam impactando negativamente uma ou mais unidade jurisdicional;

A prática tem potencial para o exercício de cooperação entre as instituições e a conquista de experiências, fornecendo uma visão global do fenômeno, com circulação de capital intelectual angariado na área judiciária. Possibilitar-se-á, também, a análise da jurisprudência antes e depois da equalização desse importante case na perspectiva de uma demanda estrutural. 4 CONCLUSÕES

Sem descurar da garantia constitucional que prestigia a duração razoável dos processos, vislumbra-se a necessidade de se aguardar a conquista de experiências no plano jurisprudencial a respeito da aplicação do art. 45 do CPC, com especial atenção à posição do Superior Tribunal de Justiça e dos tribunais que apreciam as causas decorrentes do desastre ambiental em suas inúmeras variações ao tema.

Isso não impede, todavia, que se elabore um plano de atuação interinstitucional entre a Justiça Federal e a Justiça estadual para a prevenção de conflitos que possam surgir em decorrência da aplicação do art. 45 do CPC e do enunciado da Súmula 489 do STJ.

Diante do que foi exposto, propõe-se o encaminhamento da presente Nota Técnica aos Coordenadores dos Centros Locais de Minas Gerais e do Espírito Santo, aos Tribunais Regionais Federais das 1ª e 2ª Regiões e aos Tribunais de Justiça de Minas Gerais e do Espírito Santo, a fim de que tenham ciência das seguintes recomendações:

a) a elaboração de reuniões dos Centros Locais de Minas Gerais e do Espírito Santo para o exercício das atribuições previstas no art. 9º da Resolução CJF-POR-2017/00369, com o objetivo de buscar a rápida solução para litígios que estejam impactando negativamente uma ou mais unidade jurisdicional. Para tanto, vislumbram-se a identificação e monitoramento, por meio de estudos e levantamentos, incluindo dados estatísticos das demandas judiciais repetitivas ou de massa, consequências do excesso de litigiosidade, que tangenciem os assuntos tratados na nota; b) caso anteveja a possibilidade, os Centros Locais poderão exercer as atribuições previstas no art. 9º, IV, da Resolução CJF-POR-2017/00369, convidando os atores, públicos ou privados, com o objetivo de buscar a rápida solução para litígios que estejam impactando a jurisdição da Seção Judiciária;

c) os Centros Locais de Minas Gerais e do Espírito Santo poderão recomendar a adoção de procedimentos uniformes no âmbito regional nos casos em que se verifique a excepcionalidade de reunião de processos continentes;

d) o Centro Nacional recomenda ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região que avalie as boas práticas angariadas no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, tal qual ocorreu no âmbito da "Operação Lava Jato", em que se destacou um magistrado para o exercício exclusivo da jurisdição relativa à operação. A estratégia pode ser replicada nas ações em trâmite na Justiça Federal de Minas Gerais que digam respeito aos efeitos do rompimento da Barragem do Fundão;

e) encaminhamento da nota à Comissão de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, para ciência do debate sobre a aplicação do art. 45 do CPC e sua relação com o enunciado da Súmula 489.

Busca-se, dessa forma, contribuir para a atuação dos Centros Locais e o aperfeiçoamento do modelo multiportas, estabelecido na Resolução CJF-POR-2017/00369, prevenindo-se conflitos de competência, ao passo em que se almeja segurança jurídica, prevenção de demandas e duração razoável do processo.

 

Este texto não substitui o publicado oficialmente

 

Centros de Inteligência da Justiça Federal