Nota Técnica 5 (CIn)/2018

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27/02/2018

Divergência na aplicabilidade dos precedentes relativos à repetibilidade dos pagamentos de benefícios previdenciários efetuados a segurado do INSS em razão de decisão antecipatória de tutela posteriormente revogada

Nota Técnica n. 05/2017 Brasília, 27 de fevereiro de 2018 Assunto: Divergência na aplicabilidade dos precedentes relativos à repetibilidade dos pagamentos de benefícios previdenciários efetuados a segurado do INSS em razão de decisão antecipatória de tutela posteriormente revogada. Tema:...
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Nota Técnica n. 05/2017

 

Brasília, 27 de fevereiro de 2018

 

Assunto: Divergência na aplicabilidade dos precedentes relativos à repetibilidade dos pagamentos de benefícios previdenciários efetuados a segurado do INSS em razão de decisão antecipatória de tutela posteriormente revogada. Tema: 692/STJ

 

O Centro Nacional de Inteligência da Justiça Federal, nos termos do art. 2º, I, "c " e II, "c" e "d", da Portaria CJF-POR-2017/00369, criado junto ao Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, vem apresentar Nota Técnica com fundamento nos seus objetivos institucionais consolidados na prevenção de conflitos, monitoramento das demandas e gestão dos precedentes.

Por meio do julgamento do Recurso Especial 1.401.560, no rito dos recursos repetitivos, o Superior Tribunal de Justiça definiu que é devida a devolução, pelo segurado, de valores relativos a benefício previdenciário pagos em decorrência de tutela antecipada que posteriormente veio a ser revogada. Confira-se:

 

PREVIDÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. REVERSIBILIDADE DA DECISÃO.

O grande número de ações, e a demora que disso resultou para a prestação jurisdicional, levou o legislador a antecipar a tutela judicial naqueles casos em que, desde logo, houvesse, a partir

dos fatos conhecidos, uma grande verossimilhança no direito alegado pelo autor. O pressuposto básico do instituto é a reversibilidade da decisão judicial. Havendo perigo de irreversibilidade, não há tutela antecipada (CPC, art. 273, § 2º).

Por isso, quando o juiz antecipa a tutela, está anunciando que seu decisum não é irreversível. Mal sucedida a demanda, o autor da ação responde pelo recebeu indevidamente. O argumento de que ele confiou no juiz ignora o fato de que a parte, no processo, está representada por advogado, o qual sabe que a antecipação de tutela tem natureza precária. Para essa solução, há ainda o reforço do direito material. Um dos princípios gerais do direito é o de que não pode haver enriquecimento sem causa. Sendo um princípio geral, ele se aplica ao direito público, e com maior razão neste caso porque o lesado é o patrimônio público. O art. 115, II, da Lei nº 8.213, de 1991, é expresso no sentido de que os benefícios previdenciários pagos indevidamente estão sujeitos à repetição. Uma decisão do Superior Tribunal de Justiça que viesse a desconsiderá-lo estaria, por via transversa, deixando de aplicar norma legal que, a contrario sensu, o Supremo Tribunal Federal declarou constitucional. Com efeito, o art. 115, II, da Lei nº 8.213, de 1991, exige o que o art. 130, parágrafo único na redação originária (declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal - ADI 675) dispensava.

Orientação a ser seguida nos termos do art. 543-C do Código de Processo Civil: a reforma da decisão que antecipa a tutela obriga o autor da ação a devolver os benefícios previdenciários indevidamente recebidos.

Recurso especial conhecido e provido.

(STJ, Primeira Seção, REsp 1401560/MT, rel. Ari Pargendler, j. 12 fev.2014, p. 13 out.2015)

 

Após a referida decisão, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça decidiu de forma diametralmente oposta, assentando a irrepetibilidade de valores recebidos de boa-fé, quando a antecipação da tutela, concedida anteriormente, chega a ser referendada em decisão de segundo grau, vindo a ser revogada apenas pelo STJ, em sede de recurso Especial:

 

"PROCESSO CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. SENTENÇA QUE DETERMINA O RESTABELECIMENTO DE PENSÃO POR MORTE. CONFIRMAÇÃO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. DECISÃO REFORMADA NO JULGAMENTO DO RECURSO ESPECIAL. DEVOLUÇÃO DOS VALORES RECEBIDOS DE BOA-FÉ. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES DO STJ. 1. A dupla conformidade entre a sentença e o acórdão gera a estabilização da decisão de primeira instância, de sorte que, de um lado, limita a possibilidade de recurso do vencido, tornando estável a relação jurídica submetida a julgamento; e, de outro, cria no vencedor a legítima expectativa de que é titular do direito reconhecido na sentença e confirmado pelo Tribunal de segunda instância.

2. Essa expectativa legítima de titularidade do direito, advinda de ordem judicial com força definitiva, é suficiente para caracterizar a boa-fé exigida de quem recebe a verba de natureza alimentar posteriormente cassada, porque, no mínimo, confia - e, de fato, deve confiar - no acerto do duplo julgamento.

3. Por meio da edição da súm. 34/AGU, a própria União reconhece a irrepetibilidade da verba recebida de boa-fé, por servidor público, em virtude de interpretação errônea ou inadequada da Lei pela Administração. Desse modo, e com maior razão, assim também deve ser entendido na hipótese em que o restabelecimento do benefício previdenciário dá-se por ordem judicial posteriormente reformada.

4. Na hipótese, impor ao embargado a obrigação de devolver a verba que por anos recebeu de boa-fé, em virtude de ordem judicial com força definitiva, não se mostra razoável, na medida em que, justamente pela natureza alimentar do benefício então restabelecido, pressupõe-se que os valores correspondentes foram por ele utilizados para a manutenção da própria subsistência e de sua família. Assim, a ordem de restituição de tudo o que foi recebido, seguida à perda do respectivo benefício, fere a dignidade da pessoa humana e abala a confiança que se espera haver dos jurisdicionados nas decisões judiciais. Trata-se de precedente em que o próprio Superior Tribunal de Justiça, em órgão fracionário de maior composição, relativiza os efeitos do precedente da 1ª Seção do mesmo Tribunal, retomando entendimento anterior da Corte pela inexigibilidade da restituição nos casos em que a antecipação da tutela se origina de cognição exauriente, com confirmação em segundo grau.

Ao fazê-lo, a Corte adotou como ratio decidendi a presença da boa-fé objetiva, advinda das decisões, ainda que provisórias, proferidas em favor daquele que recebe verba de caráter alimentar.

A grande parte das decisões adotadas no âmbito da 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, inclusive monocraticamente, reforçam o precedente relatado pelo Ministro Ari Pargendler, acima transcrito, com força expansiva, porém não desconhecem todos aqueles que se colocam na condição de invocar e aplicar o precedente, a existência de uma decisão da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça que, salvo melhor juízo, no mínimo enfraquece a força vinculante do precedente da 1ª Seção do Tribunal, chegando-se a cogitar de hipótese de overruling.

O Supremo Tribunal Federal, quando instado a examinar tema semelhante, para fins de formação de eventual precedente vinculante, decidiu que a questão constitucional nele suscitada seria infraconstitucional, portanto sem repercussão geral nos termos do Tema 799/STF. Naquele exame, porém, embora se debatesse sobre a interpretação e aplicação do art. 115 da Lei n. 8.213/912, a questão se originava do pagamento de valores indevidos a segurado, pelo INSS, pela via administrativa, e sem interferência do Poder Judiciário. No caso que se examina nesta nota técnica, os pagamentos referem-se, também, a benefício previdenciário, pago, porém, por ordem judicial provisória. A questão jurídica suscitada é quanto à obrigatoriedade de devolução quando os pagamentos partem de uma prévia análise judicial, que vislumbra verossimilhança nas alegações da parte e defere uma medida antecipatória que, na sequência, não vem a ser confirmada.

A divergência de entendimentos dentro do próprio Superior Tribunal de Justiça enseja dúvidas fundadas quanto à aplicabilidade atual do precedente formado no regime dos recursos repetitivos.

A propensão à repetição de processos em que esta questão surge é muito grande, frente ao volume de demandas de natureza previdenciária passíveis de decisões antecipatórias da tutela.

Em tais condições, o que sugere é o envio desta nota técnica aos órgãos dos Tribunais Regionais Federais responsáveis pela admissão de recursos especiais, para encaminhar ao Superior Tribunal de Justiça de recursos representativos de controvérsia para melhor delimitação do tema.

Também se sugere o envio desta nota técnica ao Superior Tribunal de Justiça para que priorize o encaminhamento de proposta de afetação do recurso representativo de controvérsia eventualmente formulado por um dos Tribunais Regionais Federais que trate da questão jurídica - repetibilidade das parcelas de benefício previdenciário pagas a segurado por força de antecipação da tutela posteriormente revogada.

Recomenda-se ainda o encaminhamento da presente nota técnica ao Presidente da Comissão Gestora de Precedentes do Superior Tribunal de Justiça, órgão responsável pela análise inicial de todos os recursos representativos, nos termos da Portaria STJ/GP n. 299/2017.

As sugestões ora apresentadas afiguram-se de extrema importância na busca da coerência sistêmica e na efetividade do sistema de precedentes em construção no país.

 

Este texto não substitui o publicado oficialmente

 

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