Nota Técnica 3 (CIn)/2018

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27/02/2018

Propõe que seja avaliada a aplicabilidade da Súmula 490 do STJ  no novo contexto processual frente às disposições do novo Código de Processo Civil de 2015

Nota Técnica n. 03/2017 Brasília, 27 de fevereiro de 2018 Assunto: Tema 17/STJ. Remessa necessária no novo CPC e liquidez das decisões. Avaliação da extensão e aplicabilidade da Súmula 490 do STJ no novo contexto processual. O Centro Nacional de Inteligência da Justiça Federal, nos termos do art....
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Nota Técnica n. 03/2017

 

Brasília, 27 de fevereiro de 2018

 

Assunto: Tema 17/STJ. Remessa necessária no novo CPC e liquidez das decisões. Avaliação da extensão e aplicabilidade da Súmula 490 do STJ no novo contexto processual.

 

O Centro Nacional de Inteligência da Justiça Federal, nos termos do art. 2º, I, "c" e II, "c" e "d", da Portaria CJF-POR-2017/00369, criado junto ao Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, vem apresentar Nota Técnica com fundamento nos seus objetivos institucionais consolidados na prevenção de conflitos, monitoramento das demandas e gestão dos precedentes.

 

Sob a égide do Código de Processo Civil de 19731, em sua redação original, sujeitavam-se a duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmadas pelo Tribunal competente, as sentenças proferidas contra a União, o Estado e o Município, bem como aquelas que julgassem improcedente a execução de dívida ativa da Fazenda Pública (art. 4752).

 

Com a edição da Lei n. 10.352, de 26/12/2011, sobreveio importante alteração na redação do Código de Processo Civil de 1973 (§ 2º do art. 4753), segundo a qual não se aplicaria o reexame necessário em três hipóteses: a) sempre que a condenação, ou o direito controvertido, fosse de valor certo não excedente a 60 (sessenta) salários mínimos; b) no caso de procedência dos embargos do devedor na execução de dívida ativa em valor não excedente a 60 (sessenta) salários mínimos; c) quando a sentença estivesse fundada em súmula ou jurisprudência do Plenário do e Supremo Tribunal Federal ou em súmula do Tribunal Superior competente.

 

Ficou, a partir daí reconhecido e estabelecido um critério econômico para justificar a necessidade do duplo grau de jurisdição, ante a notória sobrecarga do Poder Judiciário e os custos envolvidos no processamento de tais recursos (tanto humanos quanto materiais).

O Código de Processo Civil de 20154 definiu novos parâmetros de valor para o reexame obrigatório das sentenças (§ 3º do art. 4965), afastando o interesse da Fazenda Pública em ver reexaminadas decisões que a condenem ou garantam proveito econômico à outra parte em valores inferiores a mil salários mínimos. A data da publicação das sentenças tem sido considerada fator determinante para se definir sobre a aplicabilidade das normas do novo Código de Processo Civil em tema de remessa necessária.

 

O número de processos em tramitação nos Tribunais, atualmente, que aguardam julgamento de remessa obrigatória é muito expressivo, seja quando se trata de processos que contêm apenas a remessa a ser julgada, seja quando se trata de recursos da Fazenda Pública acompanhados de remessa obrigatória.

 

A possibilidade de se dar plena e adequada aplicabilidade às novas disposições do Código de Processo Civil de 2015, restringindo o reexame obrigatório aos casos em que as sentenças efetivamente resultarão em condenação ou proveito econômico de valor igual ou superior a mil salários mínimos, tem grande e efetivo potencial de descongestionamento da demanda nos Tribunais Regionais Federais.

 

Ainda que a maior parte das remessas oficiais esteja acompanhada de recursos, é muito comum que tais recursos versem apenas sobre questões laterais, ou apenas sobre parcela do que foi julgado, de maneira que a dispensa dos Tribunais em fazer a revisão de todo o conteúdo da sentença resultará em ganho muito expressivo de tempo e possibilidade de dedicação às questões de maior valor e complexidade.

 

Por tais motivos é que se propõe, como alternativas, que não são excludentes, as hipóteses a seguir descritas.

 

1. A Súmula 490 do STJ e a inversão da presunção em que esteve assentada Na vigência do CPC/1973, a quase totalidade das ações previdenciárias e demais ações que ingressavam na Justiça Federal comum, para as quais o valor da causa já deve nascer superior a 60 salários mínimos, ficavam submetidas ao reexame necessário.

 

Em muitas hipóteses, porém, houve dúvida quanto à efetiva necessidade da remessa, diante da dificuldade de se estabelecer o proveito econômico obtido em face da Administração Federal. Para estes casos, o Superior Tribunal de Justiça, interpretando a norma que dispensava, no âmbito do Código de Processo Civil de 1973, o reexame necessário, nos casos de condenação inferior a sessenta salários mínimos, editou a súmula 4907, nos seguintes termos:

 

A dispensa de reexame necessário, quando o valor da condenação ou do direito controvertido for inferior a sessenta salários mínimos, não se aplica a sentenças ilíquidas.

Analisando-se o teor dos precedentes que deram origem à súmula, em especial o julgamento adotado no regime dos recursos repetitivos no Recurso Especial 1.101.727/PR, relator Ministro Hamilton Carvalhido, colhe-se que o Tribunal considerou que o reexame obrigatório seria a regra, admitindo sua dispensa apenas nos casos em que o valor da condenação é certo e não excede a sessenta salários mínimos.

 

Com a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil de 2015, o limite para que a sentença de primeiro grau seja submetida a reexame necessário passa a ser de mil salários mínimos. A mudança é substancial. A condenação da União e autarquias em valor igual ou superior a mil salários mínimos, em ações que versam sobre direitos previdenciários e em muitas outras demandas que envolvem a Administração Pública, vem se revelando hipótese bastante excepcional, com a possível exceção de ações tributárias. Nos processos que trazem questões previdenciárias, a hipótese é quase nula, importando, segundo levantamento da Secretaria de Planejamento e Orçamento do CJF, em menos de 1% (um por cento) na média dos Tribunais Regionais Federais (planilha anexa).

 

Importante ter presente que esta foi uma escolha legislativa: o que antes era a regra em razão do baixo limite estabelecido como parâmetro, agora, por uma decisão do legislador, passa a ser a exceção. A garantia de revisão das decisões judiciais de primeira instância, quando implicarem em ônus para a Administração Pública Federal, foi, assim, radicalmente reduzida. À Fazenda Pública não mais interessa que sejam submetidas a reexame obrigatório a grande parte das decisões judiciais em que resulta vencida.

 

Mais importante, o reexame necessário deixa de ser a regra, com o que inverte-se a presunção que a súmula 490 tomou por princípio. Salvo melhor juízo, é da União e de suas autarquias, doravante, a responsabilidade de demonstrar, concretamente, que a sentença resultou, quando prolatada, em proveito econômico igual ou superior a mil salários mínimos para a parte contrária.

 

Diante destas circunstâncias, a manutenção da Súmula 490 do STJ, nas bases em que foi editada, prejudica sobremaneira a efetividade da reforma legislativa. Sua eventual revogação, por outro lado, configuraria medida de grande potencial no contexto da prestação jurisdicional, reduzindo, sobremaneira, a carga de trabalho dos Tribunais de segundo grau, sem prejuízo de que a Administração Pública possa demonstrar, quando for o caso, a presença da hipótese legal de reexame da sentença.

 

2. O conceito de decisão líquida Em se mantendo a higidez da Súmula 490 do STJ, a efetividade da reforma talvez possa ser assegurada pelo reforço do conceito de decisão líquida já construído pelo próprio Superior Tribunal de Justiça e que precisaria ser reafirmado, de forma a evitar divergências na sua interpretação, inclusive no âmbito da Corte Superior.

 

Quando, ainda sob a vigência do Código de 1973, modificaram-se diversos dispositivos relativos à liquidação e execução dos julgados para pagamento de quantia, o legislador passou a exigir instauração da liquidação apenas nas hipóteses de arbitramento e artigos, a primeira relacionada a casos específicos pertinentes à natureza da própria obrigação e a situações em que a sentença expressamente ordenasse ou as partes convencionassem, e a segunda aos casos em que a determinação do valor devido dependesse da alegação e comprovação de fato novo.

 

Para os casos em que o valor da condenação dependesse apenas de cálculo aritmético, o credor não precisaria instaurar a fase de liquidação, podendo requerer desde logo o cumprimento da sentença, instruindo o pedido com o cálculo.

Essa disposição constou inicialmente do art. 604 do CPC/19738, na redação dada pela Lei nº 8.898/94 e, em nova sistematização da matéria, foi mantida na redação do art. 475-B9, incluído pela Lei nº 11.232/2005.

 

Desde então, não se fala mais na antiga liquidação por cálculo do contador. Sempre que o valor da condenação puder ser obtido a partir dos critérios definidos na sentença e por simples cálculos aritméticos, deve-se passar diretamente ao cumprimento do julgado. Dessa opção, que foi mantida no atual Código de Processo Civil (§ 2º do art. 50910), extrai-se a definição do que pode ser considerado como sentença ou decisão condenatória líquida e certa: é aquela que condena a pagamento de quantia que pode ser determinada mediante cálculos aritméticos, a partir dos critérios por ela estabelecidos, tais como correção monetária, juros, termo inicial do pagamento de parcelas vencidas, etc. Não há mais fase de liquidação em casos tais, porque não há mais liquidação. A sentença é considerada líquida quando traz todos os elementos necessários e suficientes ao cálculo do montante da condenação.

Esse entendimento, inclusive, vem sendo adotado e reiterado pelo Superior Tribunal de Justiça em casos semelhantes.

No REsp 1.147.191-RS, julgado no rito dos recursos repetitivos, do voto do Excelentíssimo Ministro Relator Napoleão Nunes Maia pode-se colher a ratio decidendi adotada pela maioria dos Ministros que participaram do julgamento e que se aplica ao caso ora em análise.

 

Discutia-se, ali, se antes da liquidação do julgado seria possível o arbitramento da multa que vinha prevista no art. 475-J do CPC de 197311, ou se dependeria, naquele caso, da liquidação do julgado.

Para decidir sobre os fatos, a Corte precisou adentrar no conceito de sentença líquida, tendo o relator assim se manifestado (destaques nossos):

 

(...) A sentença líquida deve ser entendida como aquela que define uma obrigação determinada (fazer ou não fazer alguma coisa, entregar coisa certa, ou pagar quantia determinada). Na hipótese de condenação ao pagamento em dinheiro, que espelha a mais comum e clássica espécie de sentença condenatória, considera-se líquida a obrigação quando o valor a ser adimplido está fixado no título ou é facilmente determinável por meio de cálculos aritméticos simples, que não demandem grandes questionamentos e nem apresentem insegurança para as partes que litigam.

No mesmo julgado, o Superior Tribunal de Justiça invocou o magistério de Luiz Rodrigues Wambier e Eduardo Talamini, para os quais a incidência da multa subordina-se à liquidez da condenação. Confira-se: ¿O art. 475-J alude à quantia certa ou já fixada em liquidação. Então se a condenação é desde logo líquida (incluindo-se nessa hipótese aquela que depende de determinação do valor por mero cálculo aritmético), é o que basta para que já possa incidir a multa. Caso contrário, apenas depois da fase de liquidação, terá vez a multa (Curso Avançado de Processo Civil - Execução, v. II, 12 ed., São Paulo: RT, 2012, p. 388)i.¿

 

No caso então em julgamento, os Ministros concluíram que a sentença era ilíquida, pois a determinação de seu valor dependeria da realização de perícia, diante do longo tempo decorrido e das sucessivas alterações monetárias (tratava-se de restituição de empréstimo compulsório) - o que não permitiria a cobrança desde logo da multa.

O que interessa, no presente caso, é a ratio decidendi, parcela vinculante do julgado, em que ficou assentado o que deve ser considerado sentença líquida, como acima se registrou.

O entendimento não é novo naquela Corte Superior. No julgamento do REsp 937.082, de que foi relator o Excelentíssimo Ministro João Otávio de Noronha, assentou-se que:

 

¿(...) aplica-se o entendimento de que "É líquida a sentença que contém em si todos os elementos que permitem definir a quantidade de bens a serem prestados, dependendo apenas de cálculos aritméticos apurados mediante critérios constantes do próprio título ou de fontes oficiais públicas e objetivamente conhecidas. (REsp 937.082/MG, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA QUARTA TURMA, julgado em 18/09/2008, DJe 13/10/2008).¿

 

Observa-se, assim, que não poderão ser classificadas como violadoras da Súmula 490 do STJ nem a decisão do Juízo de primeira instância de não submeter a sua sentença à remessa oficial ou a do Tribunal de não conhecê-la, quando for a decisão tomada com base na estimativa em concreto do valor da condenação da Fazenda Pública, a partir dos critérios adotados em sentença líquida - assim considerada a que contém todos os critérios para a determinação de valor e que não precisará ser liquidada por perícia (arbitramento ou por artigos).

 

3. Efeitos sobre as demandas repetitivas Levantamento realizado pela Secretaria de Planejamento e Orçamento do CJF, sobre precatórios expedidos nas ações de natureza previdenciária e assistencial nos anos de 2016 e 2017 (planilha anexa) demonstra, de forma límpida, que em menos de 1% dos precatórios o valor requisitado superou o valor de mil salários mínimos. A média do biênio, considerando-se os cinco Tribunais Regionais Federais, foi de 0,56% de requisições acima do novo limite legal, sendo que 89,47% dos precatórios têm valor fixado na faixa entre 60 e 1.000 salários mínimos.

 

E este é um dado que inclui valores vencidos para muito além da data da sentença. O percentual de condenações acima de 1.000 salários mínimos seria ainda substancialmente menor se considerada, como marco, a data da sentença de primeiro grau, momento em que, nos termos da lei, o juiz deve avaliar se o montante da condenação supera o limite legal.

Como visto, o que antes era a regra em razão do baixo limite, agora, por uma decisão do legislador, passa a ser absolutamente excepcional.

 

Considerando que, doravante, na maior parte das causas, a remessa será a exceção, esta solução, que não desobriga o magistrado de estimar o valor da condenação ou do proveito econômico na data da sentença, mas que também não exige que o faça de forma absolutamente precisa, prestigia, a um só tempo, a norma legal e a duração razoável do processo.

O INSS, ademais, não ficará impedido de apresentar sua própria estimativa, a justificar eventual necessidade da remessa para reexame obrigatório. Um exemplo que torna clara a efetividade de uma interpretação como a que se propõe, e que alcança a quase totalidade das ações previdenciárias, é tomar uma sentença que condena o INSS a pagar diferenças desde a data do requerimento administrativo de benefício, ocorrido há 5 anos. Multiplicando-se o valor do teto do benefício previdenciário por 60 meses, chega-se, hoje, a 354 salários mínimos.

 

Ainda que se apliquem juros sobre os valores, estes incidirão desde a citação e não elevarão de forma alguma a condenação a algo próximo de mil salários mínimos. Veja se que aqui se trabalhou com o teto dos benefícios, quando na grande parte das demandas previdenciárias as rendas mensais dos segurados são próximas do valor mínimo e não do valor máximo do teto previdenciário.

 

Como se pode perceber, o impacto que a dispensa da remessa necessária provoca nos processos e para a garantia da razoável duração do processo é imenso.

 

Em tais condições, o que sugere é o encaminhamento desta nota técnica ao Superior Tribunal de Justiça, mais especificamente ao Presidente da Comissão Gestora de Precedentes, órgão responsável pela análise inicial de todos os recursos representativos, nos termos da Portaria STJ/GP n. 299/2017, e da Comissão Permanente de Jurisprudência, propondo que seja avaliada a conveniência de modificação ou cancelamento da Súmula e/ou de afetação de Recurso Especial, pelo rito dos Recursos Repetitivos, sobre a questão do alcance, eventual revogação ou aplicabilidade da Súmula 490 frente às disposições do novo Código de Processo Civil de 2015.

 

Este texto não substitui o publicado oficialmente

 

Centros de Inteligência da Justiça Federal